Depois do barulho, silêncio. Depois da música aos altos berros, do fumo, da confusão. A calma, os pensamentos, o olhar fixado em lado nenhum.
Já estive. Já saí, já fui embora. E nesse instante não me consegui pôr completamente fora. Talvez esteja a voltar agora, e este voltar nem seja um voltar completo.
Talvez seja só uma vontade alargada de o fazer. Uma vontade proíbida, a que ponho barreiras de cimento, enormes e pesadas. Para não cair na tentação de lhe corresponder.
Sinto já o arrepio que percorre a pele, um tremor interno. O calor passou. O coração bate mais calmo, e parece ter os olhos mais abertos. Ou mais fechados. Ou mais pousados em ti.
Páro um pouco, relembro um pouco.
Hoje os teus braços chamaram-me, como se me soubessem a casa.
Hoje os teus braços, fizeram-me querer sentir em casa. Ficar por lá entre o teu calor.
Não vou olhar para trás, profiro, enquanto cerro os dentes e fecho os punhos,para ter a certeza que fica bem gravado, que chega para esquecer o desejo súbito de fazer exactamente o contrário.
Não sei ser simples, e não faço ideia de quando o começarei a saber. Fazem-me confusão estas confusões de confusão onde me enleio, e onde me prendo. E isto é tudo acerca de mim, porque fui eu que te fiz ir. Sabendo que a qualquer altura poderia querer que ficasses, sabendo que quando te ouvi dizer aquele adeus personalizado e disfarçado, o meu interior implorava-me que dissesse, pelo menos uma vez as palavras que queria mesmo dizer, e não as que achava correctas. Aquele ‘vou ter saudades tuas’ que agora se cumpre, como profecia. Deixar a loucura tomar conta de mim, por uma vez, a ânsia percorrer-me o corpo. Arriscar fazer tudo aquilo que me assusta, que me repele e me chama. Sou tão perigosa para ti agora, que deveria existir uma qualquer vacina que te fizesse imune. Ainda assim, eu sei que já não faz qualquer diferença, e que a minha mente divaga sozinha nesse ‘nós’ que eu não faço ideia se aceitaste como existente…Ou se achas que não chegou. E se me perguntares, porquê tudo isto…eu só conseguirei dizer-te que sou fraca perante as ausências. Que preciso das pessoas que me aquecem o coração, ainda que esse calor não arda. Que ele ainda não esteja com chamas altas e consiga encher tudo. Questões de tempo que puxam decisões arriscadas. Ficar, ir. Chorar, sorrir. Tentar, desistir. Só mais um pouco. Não, está na hora. E eu não sei lidar com elas. Parecem-me monstros, com dentes compridos e olhos enormes, prontos a engolir-me ao primeiro som que me fugir da boca. E eu não sei agarrar apenas numa. Abrir os braços como se fosse abraçar o mundo para uma opção, sem antes medir o perigo, a vontade, e tudo isso que me põe ainda mais tonta do que antes. Mas esta noite, os teus braços chamaram-me como se achasse que ali pertencia. Que ali, era estar em casa. Juro-te que a minha mão quis agarrar a tua, como outras tantas vezes e ficar a amachucar o teu casaco, enquanto eu fechava os olhos e deixava que o silêncio de confundisse ainda mais. Te deixasse ainda mais a achar que eu não sei o que quero. O que é que tu tens para não te querer assim, longe? Que medo me proíbe de te deixar ficar assim, perto? Não há tempo para estas contrariedades. Não há paciência, não há motivo de espera. Não há uma só corda firme que nos mantenha ligados nesta aparência de desligamento. E eu cerro os dentes, fecho os punhos. ‘Não vais olhar para trás!’. E de seguida viro as costas, levanto o olhar do chão, e lá estás tu. Do outro lado de um qualquer mar de águas frias e tóxicas que eu quis passar. Do outro lado do mundo. Do outro lado da parede de vidro enorme e transparente que prolonga um pouco mais a vontade, e a dor subtil que traz agarrada a si. ‘Eu vou ter saudades tuas, e vai doer.’ Já dói e eu não o quero ver, vendo-o melhor do que a mim. Engulo em seco, não contigo, não desta vez, não assim. Mas eu vou ter saudades tuas. Mais do que as que tive. Mais do que as que tenho. E ainda mais que aquelas que achei possível sentir. Viro de novo a cabeça para a frente, baixo os olhos, e obrigo-me a andar. A distância aumenta e eu não me posso queixar, não posso berrar, não posso dizer que a culpa não foi minha, que fui obrigada. E sei, continuo a saber, que não me importa os olhos com que te vêm, mas sim aquilo que os meus me dizem de ti. E há uma qualquer parte no teu interior que enfraquece o meu, que o torna vulnerável, e o faz guardar-te ainda. Agora. Amanhã, e impossível de calcular por quanto mais tempo. Hoje, os teus braços chamaram-me, como se fossem o meu lugar. Hoje os teus braços chamaram-me, como se me soubessem a casa. Estou longe demais para que os passos apressados me façam ainda chegar a ti, que continuas a andar na direcção contrária. Minha culpa!...
Olho para a frente, apresso a corrida, e continuo a acreditar que quanto mais correr para longe, menos presente vais estar.
Já pus de parte as minhas palavras, já condenei sonhos e já amei com a força de mil homens.Sei ainda que tenho imensas coisas para dizer, mas parece que já não tenho magia suficiente para as explicar.Sinto-me meia. Odeio sentir-me meia. Meio acordada, meio adormecida.Parece que vivo no entretanto e deixo escapar a vida por meio dos dedos...areia fina numa praia vazia, com as ondas calmas e a água transparente.Fui eu que escolhi assim. Fui eu que quis ficar na corda bamba...naquele vai não vai...na impaciência, no "não sei"...
Não encontro uma música que me preencha hoje, não encontrei ontem.Apetece-me agora descalçar os ténis, pôr os pés no alcatrão quente e seguir pela estrada abaixo...seguir para o nada, e ter a certeza que vou parar a algum lugar. Talvez eu deva ficar lá. Talvez me apeteça voltar, mas agora eu não quero apenas estar aqui, onde todas decisões pesam como chumbo, em que os corações são como o cristal. Eles são feitos de cristal, com mil formas desenhadas e lapidadas nos lençois da memória. Tenho a certeza que deixei cair o meu...Rachou.Não partiu. Apenas ficou riscado, riscos fundos e sujos.
E se eu pudesse, eu já estava a caminho do nada. Mas estou presa aqui. Presa por tanta coisa que eu quero pôr para trás das costas...
Deixei de temer a escuridão no dia em que me encontrei nela. Deixei de temer tudo neste mundo, tudo nesta vida, no dia em que me propus a viver na corda bamba... Nem a morte me arrepia agora...Nem os monstros me fazem encolher na noite. Já vi demasiadas monstruosidades.
Como somos egoístas...Como eu sou egoísta...
Não querer por completo um amor que não me pertence...e não deixar que esse amor pertença a quem ele deveria pertencer.
Como me ficam bem agora as gotas da chuva no olhar...o meu olhar baixo que fica perdido nas flores deste chão de terra...Não é vergonha...é tristeza. Não é medo...é distorção.É apenas o orvalho, pois do meu olhar não se verte mais nenhuma lágrima...Não se verte mais nenhum carinho. Fria que nem gelo, dura que nem pedra...Aprendi a ser assim. Ou pelo menos aprendi a mostrar aos outros que sou assim.
E um dia talvez até voltasse. Até sentisse saudades de ver os campos, de olhar o sol nascente com o ar ainda húmido, de me sentar na varanda do lado detrás, e ficar sempre espantada mais um pouco com o brilho das estrelas. De pensar, de me perguntar como conseguem elas.
Mas agora, eu gostava de esquecer tudo, e caminhar para o nada. Como se realmente conseguisse ser vazia por alguns meses, vivendo como uma caixa de papelão. Como se aprendesse tudo de novo, porque quando aprendes demasiado, quando sabes demasiadas coisas, começas a não saber nada e a confundir tudo. Quando tens demasiado, quando guardas demasiado em ti, ficas demasiado cheia, demasiado ocupada...e precisas de te renovar. Como nas limpezas do Verão. Voltar a pintar as paredes do coração, voltar a vasculhar os cantos esquecidos e cheios de mofo, voltar a abrir as janelas, e as portas para deixar o ar entrar.
Estou cansada de começos, mas não consigo não o fazer. Não o querer fazer.
Talvez que com eles cresçam também esperanças renovadas, e uma vontade mais segura, mas eu continuo sem saber enfrentá-las e levá-las até ao fim. Parece que em todos esses novos começos, as novidades são também, novas e isso assusta-me. Repele-me na direcção contrária.
Os sonhos são assim difíceis. Não se trata só de lutar por eles, mas de saber esperar por eles. De fazer o certo, na altura certa, para a pessoa certa, com a pessoa certa, no lugar certo, com os recursos certos, e os sentimentos certos. É muita coisa certa, não é?
É muita coisa certa para um interior tão misturado como o meu, onde não faço ideia do que possa ser o certo, em que sentido será certo.
No fim de tudo, continuo com aquela vontade de sair. De desnudar os pés, e de os submeter ao quente do alcatrão. E caminhar, sem pensar em nada, sem querer nada, sem tentar nada. Caminhar, no sentido literal da palavra. Caminhar para longe daqui, para perto de mim, ou para longe do que quero, ou para perto daquilo que posso não querer, mas que posso vir a querer, se souber que vou encontrar o que preciso.
" Acho que as pessoas têm muito medo que as coisas possam ser diferentes.(...) É difícil para algumas pessoas que estão habituadas ás coisas como elas são, mesmo que estejam mal, mudarem. E desistem. Quando o fazem, todos perdem."
É incrivel como não me sei. Não me sei de lado para lado nenhum. Não me sei ao contrário, do avesso, e muito menos me sei ás direitas.
Não me sei a nenhuma hora, até naquelas em que acho que me sei, deixo de me saber.
Esqueci-me de ter noção que me sabia quando ainda me sabia bem, e me sabia em todos os sentidos do nenhum que estas frases fazem.
Simplesmente perdi-me no meu saber, e dói-me. "Dóio-me" em toda a extensão do algo que sou, que não sei saber o que é.
Parece até que saí de mim, e andei por aí a vaguear, voltando maior, e ainda assim mais pequena.
Trouxe mais em mim, mas do muito que trouxe, pouco me faz falta e pouco me ensina. A maioria é enchimento. São pequenos cubos de esponja com que se enchem as almofadas.
Um dia sentei-me em frente ao espelho, e olhei bem para o reflexo. Fazia cada movimento mais devagar, para o conseguir avaliar...para ver como todos os outros viam...E bem, não encontrei nada de brilhante. Não encontrei nada que me encontrasse ou me fizesse encontrar. Parecia mais uma boneca de porcelana cuja corda ainda durava, que um ser humano cujo coração bate, os olhos se entornam quando demasiado cheios, e o calor abraça o frio num choque de temperaturas.
Eu não me sei. Voltou a ressoar dentro de mim. Na inconstância das coisas, na ironia do momento e no habitual da minha distracção trambolha dei por mim a ouvir:
"Bem, pelo menos não estás vazia. Pelo menos tens esta voz irritante para te fazer charadas e te ir confundido as palavras quando achas que elas formam uma resposta. Sempre te podes entreter a tentar desmontá-las e remontá-las como um puzzle sem peças para encaixar."
E eu faço-o. Eu fico ali, fixada no nada há espera de conseguir separar cada palavra, depois cada frase, e por fim perceber o sentido que tudo aquilo faz. Mas nada encaixa. Vou-me vendo contrariada por um bicho estranho que carrego algures, numa metade mais imediata e maior no coração, e outra, mais retórica e racional no cérebro.
Se tivesse que falar dele, diria que não me pertence totalmente. Já pertenceu, mas agora, nem parece ser o meu. Deitou umas quantas coisas há rua que eu não disse para pôr sequer em sacos aquando as limpezas grandes do Verão. Tirou o pó de outras quantas, que eu guardava no sotão e que eu afirmei que era mais seguro nem tocar. E ainda foi capaz de pôr adereços novos, uns que ao princípio eu achei aberrações, e agora até ficam bem, até dão um ar confortável; outros com os quais enchi cantos e mais cantos das divisões, e achei que ficavam perfeitos e que sim, era mesmo aquilo que era necessário para ali, e que neste momento nem sei onde pôr...Começaram a destoar, a ficar baços e cada vez mais pesados em relação ao ar leve de que precisava ali dentro.
E se me fosse obrigado a acrescentar algo mais, diria que ele brinca comigo, e leva-me a brincar...é como andar ás cegas com uma faca na mão...Podes rasgar apenas o tecido, mas podes também rasgar a pele de quem te aparece...Podes mandar embora alguém que te quer tirar a venda, e podes também deixar ficar aqueles a quem dá jeito que a tenhas em frente aos olhos (e ao coração!), enevoando-os.
Enfim...ele já foi mais sincero e calmo. Já me soube e já me fez saber melhor.
Sempre que o tento fazer ficar quieto, que lhe ato braços, mãos e pés, que lhe calo a voz, ele arranja sempre forma de me prender a mim. De me pôr entre o abismo e a lâmina da espada.
É como se me dissesse: "Força...é só escolheres, não é tão fácil? Ah, mas sabes, o que está no fundo do abismo pode ser bom...mas também pode ser mau...e de lá custas a sair...Em relação á espada, ela pode brilhar muito a teus olhos, mas não passar de um pedacinho de ferro velho nas minhas mãos."
E agora diz-me tu, eu...Como é que eu me posso saber, quando nem sei para onde caminhar?
Depois, são os pés. Eles não conseguem ficar parados por muito tempo...têm algo que os alicia sempre e lá caem...atrás deles caio eu.
E eu não me sei, e continuo a não me saber.
Sei apenas que me perco dentro do labirinto que substituiu a imagem que eu tinha quando me sabia. Lá, quando eu quero o frio, está o Agosto a meio. Quando eu espero o Agosto, espalha-se o Dezembro, e não existem quaisquer tipos de aquecedores. Quando me apetece descansar, obrigam-me a correr, o chão foge. E quando quero correr, o chão torna-se uma espécie de pasta ardilosa, um cimento aguado. Quando sinto a tua falta, tu não vens. Mas quando não a sinto, tu não me deixas. Tão depressa preciso de água, como de fogo, e tão depressa me canso do amor, como ele me é um bem essencial.
Já pensei precisar apenas de me afastar de tudo, e já pensei que precisasse mesmo de estar bem perto, bem junto.
No final, acabo por nunca querer estar num sítio só, acabo por nunca me encantar mais que breves segundos, acabo por saber demasiado quando o pouco me fazia mais feliz, e acabo por ver a felicidade como o mel numa armadilha para ursos, como a imagem de uma montanha coberta de neve. Para lá dela, não existe mais nada.
E não me sei! E começo a achar que tenho graves problemas.
" She's waiting like an iceberg, waiting to change
But she's cold inside...(...)
And the fire fades away,and most of everyday,
is full of tired excuses but it's too hard to say.
I wish it were simple
But we give up easily.
And you still close enough to see
That you're the other side of the world to me."
(...) Procuramos tanto essas sensações raras e boas de felicidade e liberdade...de amor e carinho, de certeza...que acabamos por cair por capricho. Ao tentar encontrá-las...perdemo-nos. E começa tudo de novo. A roda viva de emoções nauseabundas. (...)
Bem sei de não saber de nada. Bem sei que por mais que tente adivinhar o que te vai pela cabeça ou pelo coração, a minha sorte vai ser pouca. Vai ser nula até. Dóis-me , mas dóis-me devagar. Dóis-me como um mal-estar incessante que te revolve o estômago, que não diminui nem aumenta. Uma coisa que fica, e tu não sabes bem o que é. Que te pesa na alma, no coração e te esmaga, com uma lentidão devota. E pequena, pequena, tu deixas-me tão perdida quando te perdes, de quando a quando…quando te vejo chegar com uma expressão livre, um sorriso aberto e um brilhozinho no olhar, eu sei que mais tarde voltas para mim, encostas a tua cabeça sem direcção no meu colo, e num soluço de silêncio desatarás a chorar. Engoles as palavras, porque do tanto que tens para dizer, nunca sabes como o fazer, ou por onde começar, ou sequer se deves começar, se deves argumentar…acabas por pedir desculpa no tom de voz mais inocente e verdadeiro possível. No tom de voz mais abafado quando puxas a minha blusa como se fosses cair, como se a todo o custo precisasses de te segurar, e quando enterras a tua face no meu peito, na procura daquela qualquer coisa que te começa a faltar. Que já te falta há imenso tempo e que nunca mais conseguiste encontrar. Ao olhar para ti, pergunto-me repetidamente se o teu corpo não se terá tornado demasiado pesado para o tamanho das tuas pernas. Se a tua cabeça não será complicada demais para o tamanho do teu coração. Ou vice-versa. Se o teu coração não será grande demais para a pequenez dos sentimentos. Para o valor pequeno que todos lhes dão agora. Tem dias em que vens ter comigo e me dizes que te sentes meio…Meio uma coisa qualquer. Na verdade, nunca me conseguiste dizer o quê, em concreto. Nunca mais chegaste perto de mim com o ritmo cardíaco a passar os 400 batimentos por minuto nem com umas asas invisíveis que te punham a cabeça sempre longe, e muito menos com aquele sorriso grande, enorme, como se fosse abarcar o mundo todo. Penso que aí não te sentias meio. Aí sentias-te tudo. Sentias-te completamente completa, e era bom ter-te perto…Onde quer que chegasses inundavas o ar de um sentido amoroso qualquer…embevecias simplesmente com o olhar. Eras menina. Uma menina que sabia de tudo, e continua a saber…mas que agora, contrariamente ao que a sua voz e a sua decisão tinha imposto não se consegue afastar do mundo com a mesma facilidade. Antes, eras só tu, eram as tuas canções de realidade, a tua pequenez enorme, as tuas palavras sábias que ninguém sabia de onde provinham, a tua infantilidade de senhora. Eras só tu, e era tudo em ti.
Agora, cada vez que olho a tua face, naquelas horas em que não sorris nem choras, aquelas em que ficas fixa em qualquer ponto desinteressante, em que a tua voz se cala e a tua presença se apaga, sinto que já não és assim tão pequena, tão menina. Tão simples, tão colorida, tão sem intenção. Sinto que tu sentes isso tanto como eu, e que não o queres, mais do que eu. Sentes-te culpada e apetece-te parar no tempo. Apetece-te pedir-lhe para que ele pare um pouquinho, para que possas ter tempo de te aperceberes do que não está certo. Mas minha pequena, ele não pára. E eu assusto-me quando te sinto parar. Assusto-me quando vejo que a tua ânsia começa a diminuir, e as tuas ideias começam a fugir. Assusto-me, porque quero-te como sempre te quis, e porque sei que te queres como sempre te quiseste, e não sabes mais como fazer para mais do que te quereres te tenhas realmente como te conheces. Sei que ultimamente não tens sonhado. Nem tens dormido… Passo pelo teu quarto em bicos de pés, na espera de ter de ser cuidadosa ao ponto de não te acordar como sempre fazia, mas agora já nem é preciso. Consigo sempre distinguir no meio da escuridão o pequeno brilho meio baço, meio perdido (tudo meio!) dos teus olhos quietos, olhando atentamente o tecto como se nele estivesse alguma solução, como se ele te ouvisse e te respondesse a esses dialectos secretos que não ousas contar nem ás paredes. Talvez que eles sejam um erro. Não arrisco dizer salvação. Agora não sabes o que é a salvação, ou sequer se precisas de uma. Mas dois-me. Dóis-me todas as noites que andas em voltas redondas na tua cabeça e nunca sais do mesmo lugar. Quando remóis em ti mesma, quando eu sei que enches, e enches…e espero o dia em que não suportes mais essa aparência de estares enjaulada. E nesse dia, eu tenho de estar aqui…Tenho de estar antes que te estendas ao comprido no meio do rio, feches os olhos e te deixes ir, sem querer lutar. Continuas a afirmar-me que estás meio. Meio qualquer coisa. Meio, nem tu sabes bem. “Já não estou completamente de um lado, e ainda não avancei completamente para o outro”, replicas tu com uma voz baixa, como quando se confessa um pecado. “E tenho medo, tenho tanto medo.” Eu olho para ti, na minha boca um esgar. Dá-me vontade de te apertar com toda a força que os meus músculos consigam, de te ter sempre perto de mim, de te proteger dessa decisão que só pode ser tua, e que tu engoles, sabendo que não a queres tomar. Gostava de a tomar por ti, de transformar tudo por ti, de te oferecer de novo o brilho, e as cores, e tudo o resto que era só teu. E sempre que te vejo avançar a pés juntos, o meu peito volta a fechar-se pequenino, apertadinho nessa dor medrosa de te ver tropeçar. Tu sabes, e eu sei. Ambas sabemos. Ambas olhamos para ti e vemos um coração de mulher num corpo de menina. Uma preocupação de adulta, numa felicidade de criança. Uma razão matura, numa ânsia de infantilidade, de sentimentos extremos, de fulgores e coisas que não fazem sentido algum, mas que te deixam certa de que tens tudo. Não estás bem, e não estás mal…apenas estás. Estás e esperas pelo que te vai fazer estar a seguir… Como na ânsia de que a magia chegue numa noite qualquer, e te torne de novo a completa menina. E como tu me dizes, estás a meio. Não és completamente menina, e os desejos de mulher ainda não te atingiram de fronte, feito chapada. E tu és diferente. És diferente na medida em que sabes não querer ser mulher, mas menina, porque sabes também que sendo menina consegues ser igualmente mulher. E é isso que te deixa a meio. É essa coisa que te empurra mas que tu travas com os pés, que trancas com toda a tua força e que depois deixa de fazer força contigo, e te deixa longe de um ponto e longe do outro. E é por isso que me dóis, que o meu peito de fecha cada vez que te vê avançar a pés juntos… Porque na tua indecisão, podes estar ainda menos certa do que na tua decisão. E tu pedes ao tempo que pare para que penses sem seres impulsionada. Mas ele não pára pequena, ele não pára.
Quanto pensas tu, em isto tudo? Quanto pensamos nós, no mundo em que vivemos? Será que quando defendemos, quando gritamos e barafustamos acerca do que está mal estamos a ajudar? Não não estamos. Estamos apenas a querer parecer bem, a querer parecer preocupados.
Ninguém já se preocupa com o que está mal no nosso mundo, e nem vale a pena negar, porque todos nós fazemos actos simples sem pensar que se não os fizessemos podiamos salvar vidas, animais e espaços. Podiamos salvar muito do que pomos em risco, dia após dia. Podiamos salvar o nosso futuro, a garantia de que a geração vindoura vai conseguir ter o necessário para a sua subsistência. Mas não vai.
Nessa altura não vai existir um ar puro onde eles consigam respirar de forma saudável, e não vão existir lagos, e florestas, e parques cheios de árvores, plantas e calma...porque metade de todas as florestas que agora temos vão desaparecer, e vai ficar deserto em seu lugar.
Nessa altura não vão existir animais, nada seguirá o seu curso normal. Já nada segue o seu curso normal.
Somos materialistas e egoístas. Procuramos a facilidade e não nos contentamos com pouco. Destruímos, destruímos e destruímos cada vez mais por caprichos, por meros desejos, porque queremos contruir um hotel aqui, porque um móvel de madeira tropical ia ficar bem na nossa sala, porque o marfim é muito valioso, e vai-me tornar alguém rico, alguém de sucesso.
E agora, eu pergunto...Será assim tanto sucesso, conseguir algo 'roubando', destruindo e enganado? Servindo-se dos mais pequenos, dos mais frágeis? Isso não é sucesso algum.
Há muito que desaprendemos o quão bom é sair com a família, caminhar pelo campo, pescar aqui e ali. As cidades toldam agora a maioria dos nossos lugares de eleição. Máquinas e mais máquinas que poluem o ar, que destroem a camada do ozono que nos protege, que nos fazem mal a nós mesmos. E ainda assim, continuamos a usar, e a abusar.
Tal como diz Charles Maurras, "Não existe uma ideia nascida do espírito humano, que não tenha feito correr sangue sob a terra."
Isto é, os problemas de que nos queixamos, os problemas que nos fazem comichão e nos retiram a paciência, foram e são criados por nós. Pelos nossos actos irresponsáveis.
Quando dizemos que as crianças percebem pouco de tudo isto, estamos muito enganados. Elas percebem com a simplicidade que lhes é característica, com o poder que acham possível, e que seria possível se o poder, o sucesso, o dinheiro e todas essas coisas mesquinhas não se pusessem como entraves. Elas sabem amar, e essa é a diferença. Elas amam o mais simples, e são felizes com o mais simples, e isso chega-lhes.
Por falar em crianças, quantas vezes pensamos nós naquelas que pagam na pele os nossos erros?
Quantas vezes, quando desperdiçamos comida, quando brincamos com água, quando deitamos fora umas calças, que podem nem ter sido usadas mais de uma vez mas que por não gostarmos não vestimos, pensamos nós que nesse precise momento há crianças da mesma idade que a nossa, a morrer á fome, á sede, e que não têm nada para vestir?
A diferença está que nós compramos três, quatro, cinco par de chinelos, cada um da sua cor, cada um de feitio diferente, uns com salto, outros sem, enquanto muitas outras crianças, fazem os seus próprios chinelos usando uma garrafa de água e um cordel. A diferença é que nós nunca sofremos isso na pele. Nunca soubemos o que é ter fome, mas ter uma fome genuína e não uma vontade de comer, e não ter o que pôr na boca para acalmar o estômago. Nós nunca soubemos o que é passar frio e dormir á chuva.
Temos todas essas coisas de sobra, e ainda assim queremos cada vez mais, e no nosso extremo egoísmo não partilhamos.
E vêm os governadores falar de bolsas, de dinheiro, de que é necessário criar um sistema para isto e para aquilo...quando há pessoas, crianças a morrer debaixo do seu nariz e nós, vimo-los parados.
Que interessa para o futuro do nosso mundo se o presidente dos E.U.A tem um porsche? Ou se o presidente de Portugal tem uma casa com fartura de divisões e mais divisões para arrumar todo o seu ouro? Nada. Importa rigorosamente nada.
Onde vai estar esse porsche quando se extinguir o petróleo e logo a gasolina o gasóleo e os seus derivados? De que lhe servirá? E de que servirá uma casa grande, quando õ sol aquecer demasiado o planeta e fizer morrer tudo o pouco que nele resta?
Que importa isso para as crianças que não têm nada? Que importa esse dinheiro todo que eles tanto se importam em guardar quando a cada 1 minuto morrem 3 crianças com fome, em países menos desenvolvidos?
Deveríamos todos pensar nisto. Não só pensar, mas preocupar-nos e fazer mais do que assistir ao ruir do mundo que vai pertencer aos nossos filhos.
Ninguém pode arranjar um solução mirabolante agora, mas também não é necessário piorar a situação. Há que lutar por não piorar o mundo, ainda que ele não possa ser melhorado.
Já não está na moda ser-se egoísta e lutar pelo seu próprio querer. Não está na moda ter tudo, e não dar nada aos outros. É tempo de começar a juntar forças. Tempo de começar a ser solidário, porque o mundo não é só de um, é de todos, e quando ajudamos os outros ajudamo-nos também a nós próprios.
Então, porque não parar de apenas 'dizer' o que é necessário ser feito?
É certo que nós jovens, não podemos decidir o que fazer do mundo, ainda. São vocês, adultos, pais, mães, governantes, presidentes, que o podem fazer. São vocês que "falam, falam, mas não fazem nada".
É certo que se uma pessoa fizer o bem, não vai mudar o mundo, mas pelo menos é menos um idiota a piorar a situação.
Está na hora de lutar por coisas de valor. Valor autêntico.