Quando olho da minha janela para a rua consigo notar tudo.
Há dias em que as vidraças se embaciam, e nesses eu distraio-me a desenhar no vapor ali impregnado. Outros, aqueles pedacinhos de vidro finamente recortado ficam tão claros que nem parece estar ali como algo sólido.
Hoje é um dia desses.
Sinto-me como se estivesse sentada algures no espaço, tendo constantemente em vista o mesmo ponto, olhando para o mundo, tentando adivinhar quanto e se algo dele ainda se mantêm original e limpo.
Parece-me incrível, passados uns longos minutos, que por mais que eu esforce os meus olhos desmesuradamente, que busque dos binóculos, que procure por detrás de umas lentes quaisquer, acabe sempre com o mesmo peso no coração, e a mesma vontade de ficar ali, mas de olhos fechados.
Não há dia que não acorde que não se atravesse na minha frente alguma dor. Nem precisa de ser minha. Algum tipo de maldade, alguma forma de violência. As marcas nem precisam de estar á vista.
Não há dia que não acorde, que o mundo não me pareça cada vez mais doente, mais cheio de coisas vagas e vazias, mais abreviado por voltas e contra voltas que retraem as definições que conhecemos e as drogam de relatividades.
É verdade que há minha voltam todas as pessoas me falam de valores éticos e morais…É verdade que todos querem ser amados por todos, que todos tentam ser boas pessoas…O que não é verdade, é que saibam fazer isso, ou que o queiram verdadeiramente fazer.
Desde pequena que me ensinaram que as máscaras se usavam apenas no Carnaval, mas ultimamente parece andar tudo misturado…É o coelho da Páscoa com o Dia de todos os santos, é o Pai Natal com o Santo António, de modo que na minha frente só me apresentam máscaras.
Máscaras coloridas, máscaras doridas, máscaras indecifráveis, máscaras fortes, e máscaras matreiras…
E no entanto, ainda que saibamos que tudo são máscaras, continuamos a ignorar que o sabemos, e damos a desculpa que é melhor para nós e para os outros que seja assim.
A meu ver, apenas nos anestesiamos com ideias que impomos a nós mesmos em género de obrigação.
Há quem diga que quando acreditamos muito numa coisa, essa coisa se torna real…E assim vamos andando, espalhando olás, abraços e beijos…como se tudo isso no final significasse alguma coisa.
Sinto-me como se não conseguisse ver por entre o fumo que rodeia o nosso mundo.
Um gás inodoro que nos mata a pouco e pouco, mas que nos ingerimos sem sequer dar por isso. Acordamos apenas quando começamos a ficar fracos, e depois a queda é sempre a descer.
Há minha volta há tanta coisa, que por vezes, devo confessar que desisto.
Fujo para longe antes que me possam apanhar, e afasto de mim tudo o que deixei para trás.
Nesses entretantos em que estou vazia, penso nas máscaras, e no que é que realmente as faz.
Penso em mim. Eu vivo daqueles que amo, e dos que me amam…Mas e as máscaras…Se elas não amam verdadeiramente, onde vão elas buscar a força para enfrentar tantas tempestades?
E depois, logo a seguir disso, recordo-me que a ideia de pôr uma máscara é fingir ser aquilo que não somos, e então apercebo-me que todos os fortes, são ainda mais fracos do que os fracos sem máscara, que os simpáticos, os que brincam, os que não vejo nunca ceder, dobrar, remoer, fazem-no muito mais que eu.
E quando lhes tento mostrar que não há mal em parar de vez em quando para endireitar o coração, eles dizem-me indirectamente que preferem endireitar o cabelo, o decote da blusa, a jarra…ou o que seja.
No final de tudo, eu acabo por voltar para perto da janela. Fico ali á espera que ela fique embaciada, e continuo a desenhar.
Quando me lembro que o mundo está a morrer, e a vidraça fica limpa, debato-me novamente com tudo isto…para mais tarde me aperceber que se o mundo morre, somos nós que o deixamos morrer, e pensar em quão triste isso é.
Acabo por não perceber, não conseguir encontrar nenhum porque para o porquê?, e sigo em frente, como esperam de mim.
"O mundo tornou-se perigoso, porque os homens aprenderam a
dominar a natureza antes de se dominarem a si mesmos."
Albert Schweitzer
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