domingo, 9 de janeiro de 2011

A alma do mundo.

 "Palavras, palavras e palavras tinham saído da minha boca e da boca de tantos outros. Essas palavras não eram mais do que o líquido negro que os chocos lançam para turvar as águas. Era cómodo viver lá dentro.
 Voltava a pensar muitas vezes no «desculpa» que o meu pai tinha dito e no que Andrea repetira.
 - Porque é que, na altura da morte, ambos repetiram a mesma coisa? - perguntei à freira.
 - Há casos em que só o fim de um percurso - respondeu ela- mostra o que houve por detrás. A emergência leva-nos a ver os actos sobre uma luz diferente. De repente, compreende-se que se errou, é demasiado tarde para mudar as coisas. É por isso que se pede desculpa.
 Também eu hei-de pedir - acrescentou - E você. Ninguém pode deixar de pedir desculpa. Não o fazer seria presunção porque a vida é um caminho de erros. Só muito poucos conhecem a luz desde o início, os outros avançam às apalpadelas. E mesmo quando alguém chega a intuir o Espírito, ainda erra. Erram todos pelo simples facto de serem homens, porque a nossa vida só chega até certo ponto, não penetra nos objectos nem transpõe os horizontes. Há sempre um canto escuro que não se consegue ver. Escorregar costuma ser mais fácil do que seguir em frente."


 in A alma do mundo, Susanna Tamaro


 Somos como cristal do mais fino. Podemos ser brilhantes e transparentes, bonitos e cheios de formas, mas somos frágeis, quebradiços, uma pancadinha e estamos no chão feitos em mil pedaços. Como vidro no seu processo de constituição somos moldáveis, influenciáveis. Vivemos rumos muitas vezes mais ditados pelas tendências do que pela verdade do nosso interior, e pela verdadeira verdade. E isso torna-nos muito mais propícios a quedas, a uma estadia longa na beira do abismo enquanto achamos estar no melhor dos hotéis, ou até no paraíso. Nunca vamos saber o que  é estar no paraíso, antes de lá chegarmos, e isso faz com que a nossa utilização de comparação ao paraíso seja apenas uma metáfora um tanto ou quanto vazia. Não seremos nós também como ela...
Andar pela vida requer trabalho. E digo andar porque muitos de nós só tombam nela...Dão mais um passo e estão novamente estatelados no chão; levantam-se e ao tentar o passo seguinte lá vão eles outra vez.
Só no final nos vem á ideia, como filme em câmara lenta sabem, aqueles momentos do filme em que o final feliz se está quase a dar, o que andámos a fazer por este mundo. A diferença é que a vida não é um filme, por isso nem sempre tem um final dito feliz, contando que o final feliz é mais uma expressão apenas utilizada como metáfora vazia. É no momento em que o pano está quase a fechar, que esperamos ouvir os aplausos e ter os holofotes virado para nós que se dá a maior escuridão, porque ela é precisa para que se possa dar a derradeira luz. E quando a luz se dá, só queres mais um momento para pedir desculpa, para abraçar, e para arriscar aquecer o coração e aqueceres-lhes o coração. 
 O ideal não era fazer do momento final uma cura apressada, mas fazer uma cura a cada momento que se transfigurar em final, para que o possamos fazer ser algo mais. Afinal, se andamos sempre a morrer, porque é que custa tanto pedir desculpa? 

Sem comentários:

Enviar um comentário