segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ela falou-lhe não só com as palavras, mas com os gestos, os olhos, e o coração. Falou-lhe com a alma, e talvez por isso ele não tenha entendido. Talvez por não ser a pessoa mais entendida em almas, ou por para ela não o querer ser.
Ela não poderia assumir que a culpa fosse dele, perceber uma alma não é fácil, quanto mais perceber a sua. A sua; essa alma difícil, rebuscada, com floreados feitos em bronze, alguns já com ferrugem, outros meio partidos. De quando em vez esses lá provocavam uma dorzinha, e ela desatava a correr para ele, ainda que ficando no mesmo lugar. E ali pensava que podia chorar. Ali pensava que podia descansar dos dias em que chovesse mais e permitir que o corpo secasse antes que o frio lhe atacasse os pulmões.
Com um pouco do quente que ele tinha, sem sequer adivinhar que o podia ter, abraçava-a e aquecia-a uma vez mais, achando que esse seu acto em vácuo apenas a faria sorrir da forma mais parecida á realidade que ela conseguiria.
Ela falou-lhe tanto. Falou-lhe da vida que queria ter, das viagens que ainda não fez, das dores que camuflou por entre a ramagem dos dias melhores que maus, das arranhadelas que tinha feito no mato, quando corria para algures, só para ter um lugar para onde correr. Falou-lhe do encanto das letras e de como elas lhe podiam mostrar segurança. Falou-lhe da música e de como ela podia não só harmonizar um mundo, mas criá-lo.
E ele permaneceu calado na sua ignorância que ela achava tão bonita.Que ainda teria por ali um raio de inocência, se o seu olhar não fosse tão escuro. Permaneceu calado como se nesse silêncio soubesse dizer muito mais, e soubesse que o dizia mais que com a sua voz. E ela aprendia tanto dele nessa falta de palavras. Tanto mais do que ele aprendia com as palavras dela, sobre tudo, e sobre nada.
Podiam passar anos que ela não se cansaria dessa forma como ele se calava e acenava apenas. Podiam passar anos até ele perceber, que ela gostava. E que ele gostava.
Faz um Inverno frio que tudo não passou de uma curva do caminho. Uma curva daquelas muito "manhosas", das que remoem o espírito na busca de uma solução em que fique tudo bem. E por não a encontrarem, eles passaram a curva, e disseram adeus no cruzamento 1 quilómetro em frente.
Ela chamou tal feito de vida. Ele nem o chamou, ele apenas caminhou, e como sempre manteve-se calado.
Não acho que ela soubesse como sentir essa dor, ainda que a quisesse sentir, ou a sentisse. Por já a ter sentido evitava senti-la cada vez com mais determinação.
Ele pela primeira vez sentia-a como chama acesa em todo o seu corpo. Era semelhante á dor que o sangue congelado poderia fazer ao passar pelas suas veias. Sentiu um fulgor tão perto da garganta que pensava, por certo, vir a sufocar dentro de instantes, mas a única coisa que aconteceu foram lágrimas nos seus olhos.
Esse foi o dia em que ele desatou a correr para ela. Não desatou apenas a correr para ela, mas correu para ela para lhe falar. Correu para ela para descansar do dia, para secar o seu corpo antes que o frio lhe atacasse os pulmões.
 Esse foi o dia em que ele não só lhe falou com a sua voz, mas também com os seus gestos, o seu olhar, o seu coração, os seus olhos e a sua alma.


( quando estamos sozinhos percebemos a falta que algumas pessoas fazem nos nossos dias. Podemos muito facilmente pensar, todos os dias, o quanto seriamos mais felizes se elas fossem embora, e nos deixassem ficar ali, no nosso lugar, a aproveitar o sol quentinho sobre a pele, a deleitar-mo-nos com o silêncio do espaço.
É erro dos humanos não se lembrar que esse sol se apaga quando a sua fonte se afasta, e que o silêncio fica demasiado impenetrável e vazio, se só ouvirmos a nossa própria voz projectada nele. )


E tu, tu fazes-me falta. Por mais minúscula que seja.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dia Mau.








Eu preciso que pares. Preciso que pares de parar de me fazer ficar aqui.
Preciso que pares de parar de me fazer ir sempre que me vês as malas á porta, o coração nas mãos,
e a maior determinação, mais cheia de medo que de bravura, no rosto expectante.
Mas em que parte da minha vida não tive eu medo? (E em que parte dela é que tu percebeste que era mesmo medo?)
O medo esteve sempre lá, para além do medo normal que todos sentem. Eu sempre senti mais medo.
Mais medo de sentir mais medo, e mais medo, e mais medo, muito mais medo de tu nunca chegares
a perceber que era medo.
E o medo pareceu-me sempre mais adequado que o que dizem de mim.
E isso talvez tu tenhas percebido, e tenhas gostado de perceber.
Eu lembro-me de quando tudo o que me rodeava era simples. Agora, sempre que me vejo mais rodeada
menos rodeada me sinto. Porque na verdade é só isso. Eu estou só rodeada, e não passa
desse aglomerado de pessoas á minha volta.
Se estás aí, e eu sei que ainda estou aqui, devo dizer-te que nunca me senti tão sozinha.
E talvez que de sentir que o estou, só a palavra me faz chorar, aqueles choros típicos da miúda que conheces.
É uma palavra tão triste, não achas?
Vejo-te a dizer-me para reagir. E eu desta vez digo-te que não posso.
Não posso reagir ao que não tenho. E o que é que afinal eu tenho a não ser a sensação
de que tenho tudo dentro de mim? E isso é muito pouco, porque tudo começa a desbotar e a tornar-se
nessas dúvidas de quem olha para lá fora e vê um sol radiante, enquanto cá dentro chove.
Esta chuva é fria, só para que saibas. Tu que tanto gostas do Inverno, foges desta chuva
como o ladrão foge á polícia. Sabes que podes fazer o sol nascer aqui, e querendo-o não o consegues,
porque é difícil,porque nós prometemos que não iríamos conseguir tal coisa mutuamente.
E abreviámos umas quantas situações em que só precisávamos de silêncio e a certeza que de estaríamos
seguros um com o outro.
Acho que é deste ponto que se fica em branco, sabes. Quando não consegues conciliar os pensamentos
dentro da cabeça, quando eles se tornam pesados e mais presentes que o próprio presente.
E para te dizer a verdade eu tenho saudades de tudo.
Tenho saudades de ter umas saudades mais verdadeiras e exclusivas que estas. Umas
saudades que me lembrem alguém, uma imagem nítida, e não estas saudades que englobam muitas coisas
misturadas, como plasticina de várias cores amassada por uma criança.
Mas o que mais me tem feito chorar é o olhar de longe para o panorama de pessoas que já perdi. E até poderia achar incrível, essa ciência estranha que nos torna as pessoas que melhor conhecemos em completos desconhecidos. Já tinhas pensado nisto? Choras-te? É tão estranho, faz tantas cócegas nas cavidades do coração. As minhas começaram a rir a semana passada, e de tão cansadas pediram-me para fazer "reset" ao meu sistema.
Era uma boa solução não achas? Mas por outro lado acho que não poderíamos ter um botão assim, pois nunca conseguiríamos chegar até meio de uma vida. Logo no inicio já estaríamos a carregar novamente no botão, isto é, se tirássemos de lá o dedo. E depois lá fugiam, entre as erradas, as vezes em que começamos bem. E depois ninguém começava.
Não posso deixar de dizer que é uma ideia tentadora.
Agora sabia bem um abraço. Um abraço apertado, que me fizesse chorar ainda mais. Uma abraço apertado daqueles que dizem: "És uma idiota, fazes tudo mal, e não tens piada nenhuma, mesmo quando tentas ter.Mas mesmo assim, eu gosto de ti."
Há dias em que ouvir isto chega. Hoje é um dia desses.
Eu preciso que pares, antes que seja eu a parar. Porque quando eu parar, não poderei nunca retomar mais nada. E de cada vez que me quiser lembrar de ti vou ter de me lembrar que não te posso lembrar, e nunca vou deixar lembrar-me toda a vida que me davas, quando eu exalava morte.
E eu tenho saudades tuas.
E tenho saudades de toda a gente.
E tenho saudades de mim, de ter a certeza que vou ter uma estrada, com pedras, mas uma estrada direita para continuar a seguir.
Se estás aí, e eu sei que ainda estou aqui, devo dizer-te que nunca me senti tão sozinha.