segunda-feira, 23 de maio de 2011

Numb.

Eles sabem muita coisa (ou acham) mas o que não sabem é que tu só precisas de alguém que te segure.
Eu sei e digo-te: acabaste com a minha força para me segurar e para te segurar.
Eu já não consigo fazer nada senão pedir a alguém que me segure, mas sabes, acabo sempre por cair. Acabo sempre por ficar no chão, no meio daquelas frases que me repetes: A culpa é tua, se ele se for embora, a culpa é tua. 
 E eu faço o quê? Eu já não consigo fazer nada caraças. Eu estou vazia, completamente vazia e só consigo chorar, porque, porra, tu tens razão. Tu tens a p**a da razão todinha. 
 E eu amo-te, sabes. Acho que muito lá no fundo (um fundo que desperta demasiadas vezes, sem que o saibas) te amo mais que a mim mesma. Corro mais por ti que por mim e nessa corrida eu só peço que me vejas poças, uma vez, vê-me!
Vê esta coisa que não posso tirar porque preciso de ti para tudo e tu não percebes. Vê que estou cheia de cicatrizes das tuas palavras mais agudas, que a minha vida gira em torno do medo que me puseste no peito, vê na merda em que me vou transformando a pouco e pouco; insegura, fria. Uma pedra humana que não sabe o que fazer com o demais amor que tem dentro do peito, com a demais inutilidade que lhe dás. 
 Acho que a culpa é mais do mundo que tua, sabes. A culpa é do mundo quando gritas, quando atiras as coisas ao chão e as fazes parecer nada. Quando nos atiras ao chão de um momento para o outro, quando derrubas os brilhos de um sonho para uma tentativa melhor. Para uma tentativa melhor que aquela que tentaste da última vez. Porque nós gostamos de pensar que tu tentaste. Acomoda-nos a dor pensar que por nós, tentaste. Por a mínima noção de nós que tens no peito.
 Eu acredito em ti, não percebes? Eu acredito sempre, caraças. Mesmo que ninguém acredite. E por isso acabo sempre aqui, onde desejo ser outra coisa qualquer. Porque não foi só a ti que fizeste nada, foi a mim também.
 Cortaste-me a verdade em pedaços e nem deste por isso. 
 Como é que te posso dizer que se pudesse, eu odiava-te? Como é que te digo que a culpa foi toda tua, quando na verdade nem eu suporto que o admitas? 
Eu só queria uma felicidade maior para ti. (e para mim e para nós). Mas mata-me a possibilidade dessa felicidade ser longe de mim e longe daquilo que em mim tenho de ti.
 Pedir-te-ia um abraço. Um beijo antes de adormecer. Uma mão para quando as lágrimas caem, e um "estou aqui" para quando o mundo inteiro me vira as costas. (porque ele já virou sabes, já virou muitas vezes e eu em nenhuma delas te encontrei mais que substância material a meu lado.)
Odeia-me agora, porque te vai doer. Odeia-me porque a culpa é minha, sempre minha e eu cansei-me de a carregar em silêncio como uma menina bonita e forte.
 Eu já não sou forte. Sou só partida, sou só um amor muito penoso por ti. E tu és bonita e não tens culpa. E eu acredito que uses o teu melhor, mas ele é tão pouco, é tão pouco...
 Daquele quarto já não me vem som nenhum. Aprendi a ignorá-lo quando os gritos foram a banda sonora do nosso dia-a-dia. É por isso que estou aqui sentada e escrevo que nem uma maluca. Porque ignoro o amor por ti agora. Ignoro a vontade de um sorriso, de um "já está tudo bem". Fogo, não percebes? Não percebes que não fica tudo bem só porque estás a sorrir?
E depois queres ouvir-me dizer «desculpa», mas olha eu não tenho vontade nenhuma de o dizer. Não tenho vontade de o dizer porque estou farta. Estou farta de o dizer, estou farta de o pensar, estou farta de o achar. 
 E quando o acho, Ah! quando o acho...Tudo volta a ser pesado e custa ainda mais vir para cima.
 Eles sabem muita coisa, mas nunca souberam que sou sempre eu a errada. A peça disforme num puzzle que compraste numa loja qualquer dos chineses e achaste que podias fingir que era perfeito.
 Mas olha, eu não quero fingir. Eu não quero fingir mais vez nenhuma.
E hoje, hoje só me apetece chorar porque estou aqui e não te consigo amar como devo. Como quero. E ele vai-se embora, ele vai-se embora e a culpa é toda minha. E eu não tenho ninguém que me segure, porque a culpa é toda minha. 

quinta-feira, 17 de março de 2011

A dança.

Já não páro quando passas. Já não olho á espera de ver o mesmo brilho a pintar-nos as palavras, porque esse brilho se extinguiu e nós sabemo-lo. Atrás do brilho acabaram também por fugir as palavras. Ou fizemo-las fugir, porque assim também foi mais fácil para nós, a fuga.
Já não me surpreendo com um sorriso escondido ou um cochicho abreviado, uma pose mais defensiva e um ignorar cravado em toda a tua extensão. Não há porquê, nem o pode já haver.
 A única coisa que me continua a lembrar de ti é a dor pequena mas incisiva que nasce a cada palavra tua que rodopia em volta da minha cabeça como vento de Inverno e me embate com força nas falhas que se denotam, vaidosas da maldade a que incitam. Essas palavras que não são diálogo para mim, que não estabelecem uma ligação mas sujam a que existiu, actuam como facas que esfolam a pele e desnudam o vermelho escuro, íntimo inseguro que te dei nas mãos fechadas.
Esqueci-me de te segredar que o não proclamasses alto, que ninguém podia ouvir. Esqueci-me que era provável que também tu deixasses de me segredar um dia, e começasses a gritar, gritos molde de tantos outros.
Agora ardem-me as falhas e os ouvidos, e ardes-me tu.
Juro-te, tive o máximo cuidado para que não te caísses dentro da fogueira enquanto dançávamos e anoitecia, mas eu também não te podia agarrar...Eu não podia dizer-te que cravasses o teu pé no solo e não mais o movesses, o teu sorriso ia esmorecer e o teu corpo cairia sobre a areia molhada. Ficaria sujo, as feridas arder-te-iam e eu tinha medo do teu esgar de agonia. Por isso deixava-nos dançar, e enquanto eu me afastava das chamas, tu aproximavas-te. E eu chamava-te, eu chamava-te do fundo da minha voz alta e quebradiça. E eu chamava-te, e chamei-te a última vez com a voz alta embargada pela nota das lágrimas, que destoava em muito da melodia. Nunca fomos réplicas de Beethoven ou Bach, por isso nem parecia tão mal.
Desleixadas.- Simples humanas que se subjugaram á condição natural de malévolas, não fomos mais que isso, e não atingimos sequer o recomendado, quanto mais o perfeito! - E morremos as duas.
Fechei os olhos e virei costas, quando voltei a olhar para trás já não eras tu, e já não era eu. Tu riste, e eu cerrei os maxilares.
Eu era vento e tu chamas, e enquanto me davas a mão, queimámos tudo mais que havia para queimar. Não era o querer estar perto, mas o querer deitar no chão, o querer desenhar o preto e ausência da luz. E nós fomos as vitoriosas desse jogo que inventámos apenas para prolongar a falsa vida a uma coisa que sabiamos morta.
 Hoje eu já não te oiço, e tu já não me ouves. Há a espessa diferença que forma um espaço igual a uma distância de quinhentas milhas. Somos apenas só corpo vazio na mente uma da outra, silêncio figurado por reticências e gargalhadas de ocasião que novamente destoam e se notam tão vazias que chega a doer a quem é perspicaz.
 Por isso, o silêncio. Hoje ainda dói, porque não adormeci. Hoje ainda dói, porque ainda não te adormeci. Ainda não te matei por completo e vou deixando que me mates numa ignorância ingénua de criança, máscara não ensaiada, perfil de momento, acto que surge por falta de melhor reacção.
Por isso, só o silêncio, o final do final que se arrasta, o preciso final para que eu possa expirar.
Já não páro. Já não páro, porque o motivo dessas paragens, desses brilhos e dessas palavras se esvaiu entre as minhas entranhas antes que formasse nelas raiz e lhes fizesse uma sombra maior que o esperado, as impedisse de criar doçura, tal qual as laranjas.
E fica o silêncio atrapalhado. Só o silêncio atrapalhado.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ensaio sobre a vida. (um dos temas)

 Somos um bocado parvos, nós. A vida pode ser eterna, mas o que nela consta é demasiado efémero para que possamos alguma vez mantê-lo a vida toda. A vida pode ser eterna, mas essa eternidade é feita de várias sequências, vários filmes que começam e acabam, começam e acabam. Cada um com um tema diferente e um propósito diferente. E se é um filme não poderia deixar de ser classificado: comédia, romance, terror...
Sim, o que estou a tentar dizer em primeiro plano é que a vida está dividida em segmentos, e que esses segmentos têm todos um propósito ditado provavelmente por uma força maior (ou simplesmente pelo ciclo natural e básico que já vem anexado á ideia "vida"), e que esse propósito leva-nos a classificar esses mesmos segmentos com a mesma facilidade com que se classificam os filmes.
Se os segmentos fossem todos iguais e deles constasse sempre o mesmo, se a acção nunca mudasse, então seria de pensar qual era o propósito de chegarmos sempre ao mesmo propósito? Na verdade, como somos parvos, essa seria a primeira hipótese.
Mas pensemos, esses propósitos não são mais que as chamadas "lições da vida" ou os vários itens que devem constar para um amadurecimento individual, logo pode existir mais que um segmento com o mesmo propósito. Podem existir dois segmentos com o mesmo propósito, ou três, ou quatro, devido á bipolaridade das palavras, á forma moldável que elas têm, devido ás pessoas que andam por aqui como sonâmbulas ou á nossa memória que, ainda que grave muitas coisas, não deixa de ser falível.
Aquele que nunca encontrou uma pedra no caminho quando for surpreendido por ela vai perder metade do seu tempo a tentar destruí-la. Fazê-la desaparecer. E se não for capaz vai começar a desesperar... Mas um que a já pesou pode chegar e dizer-lhe que é mais fácil se a levar consigo, porque ela não pesa assim tanto e poderá ajudá-lo. Ele diz porque já sabe. E já sabe porque já a pesou, e se já a pesou provavelmente já a viu, já a encontrou no seu caminho.
O que eu quero realmente dizer é que esses segmentos existem com o propósito de nos ensinarem uma forma de chegar ao teor dos propósitos desse segmento mais rapidamente num próximo encontro com o mesmo propósito, ou seja, que enquanto não aprendermos que mais vale levantar a cabeça e andar mesmo que doa como a porra, a pedra vai continuar a aparecer e a parecer-nos cada vez maior que nós. Impressão ditada pelo pequeno tamanho que vamos adquirindo, a ignorância a servir como poçãozinha mágica para encolher. (mais no interior)
E nós somos uns idiotas, continuamos com aquela cara de parvos e coitadinhos até que alguém chega perto de nós, nos dá um par de bofetadas e nos vê automaticamente a reagir! "BOA, ALELUIA!", tava a ver que não percebias.
Voltando agora á questão do efémero e do eterno, como disse no início desta suposta reflexão (denote-se que disse suposta) as coisas que nos enchem uma vida são efémeras, por mais que nos pareça que vão ser eternas. Só a vida é eterna, a vida invólcro, a vida caixa, a vida o que está á volta. A vida, conjunto de tudo. Porque como também disse, a vida está composta por vários segmentos, e enquanto os segmentos se alteram, alteram-se também o que está dentro dos segmentos, e o que está dentro do que está dentro dos segmentos.
Pensemos me bonecas russas. A vida é a maior, dentro dela há mais sete bonequinhas, que representam segmentos, e dentro dessas sete bonequinhas há ainda mais espaço que é ocupado pelas coisas que se encontram dentro dos segmentos. E deveriam haver ainda mais outras bonequinhas dentro do que está dentro das bonequinhas dos segmentos.
A única diferença é que nós nunca veremos os limites da primeira boneca russa, porque ela não tem limites, é eterna; e possivelmente só notaremos os limites das segundas bonequinhas (os segmentos) e das terceiras (o que está dentro dos segmentos) quando tivermos passado para o segmento seguinte. Podemos assim concluir que no primeiro segmento de vida que vivemos (a infância) nunca poderiamos dar conta do propósito do que estavamos a experienciar? Certo, não só porque nunca houve outro segmento antes, mas também porque é uma espécie de "presente" dessa idade. Somos ignorantes inocentes, e não ignorantes com culpa. Não nos podemos culpar de não sabermos aquilo que ainda não nos ensinaram, logo não temos culpa da nossa ignorância. A partir do segundo segmento já podemos optar por ser ignorantes (porque é mais fácil) ou por tomar as rédeas dos propósitos na mão (o que dá algum trabalho), e aí acabam-se também as desculpas para a não aprendizagem, para o não amadurecimento. É de seres preguiçosos que nascem corações fúteis. Seres que nunca procuraram mais que o reflexo das coisas, que se deixaram encantar apenas e só pela pele do mundo e pelos hábitos automáticos e pré-gerados de uma sociedade não amadurecida. Aquilo que é mais fácil é proporcionalmente directo ao que é mais apetecido, e áquilo a qual mais população adere.
É daí também que nasce o efémero daquilo que nos enche a vida, uma dessas coisas são exactamente as pessoas que por ela passam e aquilo que essas pessoas guardam dentro das suas mentes e coraçõezinhos.
Permitam-me agora desviar-me repentinamente e falar das várias categorias em que se podem enquadrar as mentes e os corações. Num primeiro plano temos o coração simples, ainda brilhante, acabado de sair do primeiro segmento. Este coração é um coração fraco, porque tal como a pessoa é um coração infantil. Um coração bébé que nem ainda sequer começou a sua formação, dando-nos assim a correcta ideia de que um segundo segmento vivido com um coração de primeiro segmento vai levar-nos a uma pessoa não amadurecida, vai levar-nos portanto a um ignorante. Estes corações têm, geralmente, o hábito de agir por impulso e sentimento. Se este coração for acompanhado por uma mente igualmente de primeiro segmento, é, como se diz, "a morte do artista"! A mente tal como o coração é fraca, e permite tudo aquilo que o coração manda. Forma um conjunto insensato, impulsivo, e muitas vezes destruidor (de si mesmo).
Falemos agora dos corações amadurecidos. Um coração amadurecido é um coração que já passou por alguma aprendizagem, é portanto um coração naturalmente de segundo segmento. Se existir algum coração amadurecido no primeiro segmento de vida de alguém, duvidem que essa pessoa seja sã. E digo isto porque as aprendizagens iniciam-se no segundo segmento, como já havia referido,me parece. Este coração de segundo segmento é um coração forte, que "tem costas largas" e é capaz de se manter firme sem correr atrás de um impulso ou qualquer vontade repentina. Aliado a uma mente amadurecida, é o plano exigido para o crescimento favorável de uma pessoa. Isto acontece porque uma mente amadurecida pensa as decisões antes de as tomar, pesa as consequências e ao mesmo tempo que tem dúvidas procura as respostas. Isto quer dizer que acalma o coração, não toma as suas vontades como garantidas e não o deixa falar mais alto sem antes ter a certeza que ele vai só falar alto e não gritar e espernear.
 Podemos então a partir disto traçar o perfil de uma pessoa de coração e mente amadurecidos, assim como o perfil contrário. E isto leva a que digamos que uma pessoa com um coração e mente amadurecidos pode muito mais facilmente coleccionar um maior conjunto de segmentos na vida de outra pessoa que uma pessoa não amadurecida, pela simples razão de que não corre atrás de tudo, mas do que sabe ser melhor. Se corre atrás do que quer, é outro assunto, pois a maior parte da vezes aquilo que queremos não é o melhor para os outros. (e nem para nós)
"A culpa é dos nossos desejos vãos e insensatos", e não podia ser  mais verdade. Mas claro que é a nós que cabe a tarefa de controlar esses desejos, e como eu estava explicando é aí que as categorias dos corações e das mentes entram, fazendo depois diferença nas pessoas, que vai fazer diferença nos segmentos, que vai fazer diferença na vida. Está tudo ligado, causa e consequência.
Ainda assim, também esse amadurecimento é falível, e as pessoas portadoras dele acabam por ir embora. Muitas vezes porque o ritmo da aprendizagem não é o mesmo e as pessoas ficam anacrónicas uma á outra, outras porque há desejos mais fortes e mais ditadores, e por mais umas quantas razões. No entanto essas situações podem ser aceites como propósitos, que não percebemos enquanto vivemos, mas que quando olhamos para trás nos mostram a factura e em nota de rodapé a explicação.
As pessoas são efémeras, não importa quão eternas as queiramos fazer. Em algum segmento da tua vida, elas vão começar a ser anacrónicas a ti, e se não acontecer, elas vão simplesmente tomar decisões que poderão afastar-vos.
Os objectos são demasiado frágeis. Tudo se parte, se racha. O dinheiro depressa se perde em devaneios, em poderios mal calculados que deixam apenas um vazio e uma pessoa vazia (ou não amadurecida) no seu lugar. A fama tem o mesmo efeito que o dinheiro, quando se esquecem de ti, tu também o começas a fazer. O poder é idêntico á fama, mesmo quando o exerces estás sozinho pois todos te invejam e levantam as suas vozes para reclamar, sem se aperceberem sequer que aquilo pela qual estão a reclamar vai ser a morte daquele contra o qual reclamam.
Portanto nós somos realmente um bocado parvos. Arranjámos uma data de recursos expressivos para nos enfiarem olhos adentro e nos calarem o choro, quais bébés esfomeados á procura de mama calados por um biberon de plástico barato. Enganamo-nos a nós próprios e deixamo-nos enganar por nós próprios.
Nada é eterno sem ser a vida. A primeira bonequinha russa, o invólcro. De resto terás os segmentos, em que uma por outra vez pode aparecer alguém com um coração amadurecido e te acompanhar por vários deles. (ou até mesmo ao fim.)
E quando o segmento acabar lembra-te que ele tem sempre um propósito e guarda esse propósito contigo, não com o choro de uma birra, mas com o sorriso acomodado e sábio de quem sabe o que está a acontecer no seu filme, e de quem não tem medo da próxima cena pois sabe que pode improvisar!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

You're a sacred heart, If I've ever felt one.

 A mesa posta. Madeira por baixo dos nossos bustos endurecidos. Pões os cotovelos na mesa, juntas as mãos. Os teus olhos não largam a televisão, ainda hoje me pergunto porquê. Não consigo perceber se é para não te vermos a cor da tristeza nas pupilas, ou para não notarmos que elas brilham mais quando ela as ataca. Há quem lhe chame lágrimas, mas quando tu choras não são só lágrimas.
As cadeiras desarrumadas, um perfil cheio de pensamentos barulhentos que não páram de me encher os ouvidos, que não páram de me confundir a cabeça, que não param de me morder o músculo cardíaco.
Como é que vos salvo, se nem a mim consigo?
A fragilidade ataca-me as pernas como bebedeira em estilo de quase coma, mas eu fico em pé (por vocês). Estou aqui, podes vir, mas por favor não chores. Por favor não caias, não te atires, não faças nada. Espera nesse suave balançar, nesses suspiros engolidos, nesse sentido que agora não te faz sentido nenhum, que te enleia as voltas, que não te dá em troca aquilo que prometeu; espera aí que um dia eu virei buscar-te. Um dia eu virei buscar-vos e mostrar-vos que este rumo valeu muito.
Cada poro meu grita por não ser tocado por este ar, cada fissura por preencher sente-se alargar por este cansaço soberbo que te vejo na face, por este castanho escuro que as tuas rugas deixam revelar; são o filme-retrato de uma vida que já não te surpreende. A tua posição de "gostava que fosse diferente, mas que queres que faça? Eu quase me mato!" abana-me, sacode-me, morde-me, fura-me, brinca comigo ao esconde-esconde; prevertido paradoxo sentimental.
Diálogos automáticos e repetidos que os meus ouvidos sabem de cor, que eu digo antes que se realizem, que saiam das vossas bocas.
Eu vejo-vos sentarem-se. Vejo-vos as pernas sem vida, os pés um tanto quanto mirrados; não são velhos, ainda não, mas são usados. Esmagaram vidros e afrouxaram os espinhos das rosas, e vocês foram sempre assim, calados e sossegados. Vocês foram sempre assim, heróis de uma coisa qualquer que nem sabem sequer o quê. Só sabiam que o tinham de ser, porque não havia mais ninguém que o fosse por vocês. Aqui reside o pequeno mar que vos queria mostrar. Aqui residem todas as palavras que a pouco e pouco vou soprando, esperando de dedos traçados que surjam como brisa no meio do calor deste deserto. Aqui é onde assenta a nossa casa, numa coisa parecida a rocha que vista de fora tem o aspecto de areia movediça.
Mas quando tu choras não são só lágrimas. São sonhos não realizados, ambições esquecidas, um não saber oferecer sorrisos, um não saber notá-los quando os ofereces. São pequenos raios de desespero a emanarem do meu âmago, a forçarem-me a deixar cair estes olhos de pássaro distraído, a pressionarem-me as veias de forma cruel, a estrangularem-me a segurança com amor, a moverem-me os pés para fora da zona emocionalmente saudável com subornos.
Eu vejo os teus olhos brilhar, e sei que não posso cair, e agarro-me com a maior força das leis da física, e revolvo-me em ânsias e tentativas contínuas; eu quero-te bem. Eu quero-vos bem.
Eu quero que no meu silêncio, se o conseguirem escutar sobre todas as artimanhas dos constituintes da vida, sobre tudo os barulhos que o mundo faz ao mover-se, sobre todos os ruídos de quedas que moram dentro de vocês, encontrem um lugar para descansar.
Eu quero ver-vos sorrir e ficar lá emcima durante um bocadinho maior. Mas vocês nunca passam da mesa, da cadeira, e dos bustos embrutecidos. Alguém vos pediu assim, presumo que foi a natureza injusta dos humanos. A natureza do que vos rodeia, que vos esmaga contra imprevistos e perdas que tantas vezes eu vi o peito não conseguir abarcar.
Não, não chores, não caias, não tremas. Não corras, não grites, não te obrigues a morrer. Não te faças morrer.
A mesa está posta, por entre as ranhuras de uma máscara de ferro já ferrugenta deixas escapar quantidades de medo fugitivas, para logo de seguida te recriminares. E eu grito "Não, não tens de ser sempre forte." Por entre os movimentos do teu peito deixas transparecer um mais aguentado. E eu grito "Não, não precisas de ser sempre um super herói."
Deixa-me ser eu, forte, a que aguenta, a que vos segura.
Deixa-me ser a heroína, pelo menos uma vez antes que a capa seja comida pelo tempo e pelo medo. (Porque um dia eu vou ser tão assustada quanto vocês, mas hoje eu ainda sou só eu.)

domingo, 9 de janeiro de 2011

A alma do mundo.

 "Palavras, palavras e palavras tinham saído da minha boca e da boca de tantos outros. Essas palavras não eram mais do que o líquido negro que os chocos lançam para turvar as águas. Era cómodo viver lá dentro.
 Voltava a pensar muitas vezes no «desculpa» que o meu pai tinha dito e no que Andrea repetira.
 - Porque é que, na altura da morte, ambos repetiram a mesma coisa? - perguntei à freira.
 - Há casos em que só o fim de um percurso - respondeu ela- mostra o que houve por detrás. A emergência leva-nos a ver os actos sobre uma luz diferente. De repente, compreende-se que se errou, é demasiado tarde para mudar as coisas. É por isso que se pede desculpa.
 Também eu hei-de pedir - acrescentou - E você. Ninguém pode deixar de pedir desculpa. Não o fazer seria presunção porque a vida é um caminho de erros. Só muito poucos conhecem a luz desde o início, os outros avançam às apalpadelas. E mesmo quando alguém chega a intuir o Espírito, ainda erra. Erram todos pelo simples facto de serem homens, porque a nossa vida só chega até certo ponto, não penetra nos objectos nem transpõe os horizontes. Há sempre um canto escuro que não se consegue ver. Escorregar costuma ser mais fácil do que seguir em frente."


 in A alma do mundo, Susanna Tamaro


 Somos como cristal do mais fino. Podemos ser brilhantes e transparentes, bonitos e cheios de formas, mas somos frágeis, quebradiços, uma pancadinha e estamos no chão feitos em mil pedaços. Como vidro no seu processo de constituição somos moldáveis, influenciáveis. Vivemos rumos muitas vezes mais ditados pelas tendências do que pela verdade do nosso interior, e pela verdadeira verdade. E isso torna-nos muito mais propícios a quedas, a uma estadia longa na beira do abismo enquanto achamos estar no melhor dos hotéis, ou até no paraíso. Nunca vamos saber o que  é estar no paraíso, antes de lá chegarmos, e isso faz com que a nossa utilização de comparação ao paraíso seja apenas uma metáfora um tanto ou quanto vazia. Não seremos nós também como ela...
Andar pela vida requer trabalho. E digo andar porque muitos de nós só tombam nela...Dão mais um passo e estão novamente estatelados no chão; levantam-se e ao tentar o passo seguinte lá vão eles outra vez.
Só no final nos vem á ideia, como filme em câmara lenta sabem, aqueles momentos do filme em que o final feliz se está quase a dar, o que andámos a fazer por este mundo. A diferença é que a vida não é um filme, por isso nem sempre tem um final dito feliz, contando que o final feliz é mais uma expressão apenas utilizada como metáfora vazia. É no momento em que o pano está quase a fechar, que esperamos ouvir os aplausos e ter os holofotes virado para nós que se dá a maior escuridão, porque ela é precisa para que se possa dar a derradeira luz. E quando a luz se dá, só queres mais um momento para pedir desculpa, para abraçar, e para arriscar aquecer o coração e aqueceres-lhes o coração. 
 O ideal não era fazer do momento final uma cura apressada, mas fazer uma cura a cada momento que se transfigurar em final, para que o possamos fazer ser algo mais. Afinal, se andamos sempre a morrer, porque é que custa tanto pedir desculpa? 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

2011

 Este ano não fiz lista de objectivos. Este ano mudei o meu primeiro acto do ano para que também o ano pudesse ter um ritmo diferente. Não posso dizer que não espero nada, sou humana e os humanos esperam sempre. É dos maiores defeitos do feitio comum, mas poucas vezes se consegue mudar. Esperar nada para o humano é mais difícil que para uma criança o é acreditar que o Pai Natal não existe.  É por isso que passamos a vida aos trambolhões, porque esperamos dela um caminho, e ela trama-nos, enrola-nos os pés nas suas gargalhadas e faz-nos andar para outro lado qualquer que nada terá a ver. Porque pensamos demasiado no amanhã, ansiamos tanto a felicidade que ela acaba por nos passar em frente ao nariz e poucas são as vezes em que a cumprimentamos ou sequer reparamos que ali está.
Eu conheço bem a vida e as suas gargalhadas, e conheço bem a sensação de esperar num para sempre muito grande algo que não vem. Mesmo que saibas que não vem não consegues fazer mais do que esperar. A vontade decide por si mesma e prende-te com a ameaça de uma dor maior se escolheres andar para longe, a ficares por perto, aguentando. A cada desilusão o andar torna-se mais lento e os pés arrastam mais. São assim que se fazem as grandes caminhadas. Diz-se que o são quando elas são difíceis de realizar, quando se demora muito a chegar ao destino.
O meu destino não existe. Caminho para o lado em que o vento corre mais suave porque não gosto do frio, não gosto do gelo com que as palavras são ditas, e não suporto a forma como os actos são programados para parecerem quentes e acolhedores. Tem de existir naturalidade para que realmente o sejam. O meu destino (ainda) não existe e por isso a minha caminhada tem sido das difíceis.
Este ano não tracei estratégias, não fiz contas, não pensei no passado nem no futuro, pelos quais geralmente me deixo engaiolar. Devo dizer que sabe bem esta sensação de não ter de ser nada, mas que ao mesmo tempo me deixa inquieta esta vontade de ser tudo. O nunca achar que chega, o nunca achar que está bem. O procurar sempre aquilo que não posso encontrar, e que quando encontro tenho de fingir não ter encontrado. O procurar o certo nos lugares errados, e encontrar o errado. O encontrar o certo sempre no tempo errado, e não fazer mais do que esperar que amanhã a sorte mude, e o tempo seja o correcto.
O tempo tem destas coisas ; o coração é trapaceiro. O coração é descontrolado, é confuso, mas muito mais decidido que a cabeça. Não pesa argumentos para te querer proteger, para olhar por ti de perto. Ele fá-lo quase sem saber.
Este ano eu não quero nada senão andar para a frente com a maior das calmas. Não fiz listas. Não escrevi objectivos. Não quero mais nada, senão encontrar um caminho com uma brisa fresca de final de tarde.
2011, eu estou a começar contigo.




sábado, 1 de janeiro de 2011

A vida é coisa pouca Sem ti.






CF 1145
Encheu-me os olhos de lágrimas, mas a alma de sorrisos.