domingo, 23 de maio de 2010

Talvez.





Uma carta de saudades é sempre uma carta de saudades. Mesmo que nessas saudades exista mais fúria e contrariedade da racionalidade (que finalmente comecei a usar), do que propriamente o querer de um reencontro.Uma carta de saudades escreve-se sempre porque existe uma falta. Mesmo que essa falta não queira ou não possa ser apagada. A falta não deixa de ser falta só porque estamos decididos a não a querer substituir, ou só porque estamos empenhados em ignorá-la.
Talvez esta seja uma carta de saudades.Talvez, porque eu não posso querer saber do destinatário. Eu não quero saber dele.Quero saber apenas da falta que ele me faz, porque é essa falta que ele me faz que me diz bom dia todos os dias ainda nem tenho acordado de forma decente. E é a falta que ele me faz que me tem tirado umas quantas certezas que já andavam cambaleantes quando ele ainda estava.Parece-me engraçado o quadro, visto de fora. Não que deixe de ser um pouco amargo, mas já consigo rir-me por cima dos tons escuros. Tem a sua piada o facto de o destinatário nunca ter tido luz nenhuma, mas ainda assim fazer com que eu tivesse. Não que ele me tenha dado a sua luz, nada disso. Acho que quando veio ter á minha porta carregado de máscaras, já estava bastante apagado, coitadinho. Ele fazia era com que eu achasse a minha luz, e eu lançava-me em brilhos. E ele não sabe disto, nunca gostou muito das luzes naturais. Para ele, poderia ser tudo artificial, que ficava tão bem quanto o natural.Talvez a falta que sinto seja mais dessa luz, mas essa luz agora só vem atrelada a ele. Pelo menos, por enquanto.E essa falta não deixa de ser uma falta por eu repetir ao ar e ao meu ego, e alma, e corpo, e coração a mesma sentença sobre o meu pobre destinatário: Quero que ele vá para o Inferno!No meu âmago, não é isso que quero, mas no meu intuito de sobrevivência e auto-protecção mando-o desaparecer de cada vez que me lembro dele. É mais fácil odiá-lo, pois quando o odeio não me lembro que o amo, ainda que esse ódio não passe de uma ilusão feita como medida para atingir um fim. É o mesmo que tapar um buraco com outro maior.A culpa é da falta. Desta falta. Se não me consigo decidir se é mais raiva ou carinho, mais vontade de ver sofrer ou uma medida extrema para pelo menos ver, sem que ninguém se aperceba.Eu não estou a sofrer. Eu tenho ignorado tudo sobre o destinatário desta carta. Tenho mantido o meu coração frio o suficiente para esse lado, e para os outros todos. Tenho sorrido o mais abertamente que consigo, tenho rido mais, tenho dançado que nem uma louca em frente ao espelho do quarto, tenho dito coisas sem sentido até dizer chega, tenho gostado de mim. Tenho sido feliz. (?)E tenho-o encontrado nas curvas das coisas todas, muito distraído em si e no nada que tem.“I feel sorry for you”, penso para mim, proibindo-me do uso das palavras (neste mundo elas podem construir muitas coisas, quando não destroem e partem e viram o disco - são perigosas), não obstante achar que as merecia.
A culpa é dele. Da sua falta.E enquanto me vou convencendo que quero esta distância vazia, e esta quebra de coisas por acertar, e por apagar, e sabe Deus mais o quê, vou-me inconscientemente esquecendo que tenho cartas de saudade para escrever.

Posso não dizer que tenho saudades tuas, mas tu vais perceber que as tenho. Porque isto é uma carta de saudades, e só tem uma finalidade. E é boa por isso, por ser uma carta de saudades, de entre-linhas. Uma carta de saudades só se escrever porque há saudades. Porque há uma falta. E que tudo o que está no meio dessas saudades, vá para o raio que o parta.


Talvez isto…Talvez seja uma carta de saudades.

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