quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Caminhar.


Já pus de parte as minhas palavras, já condenei sonhos e já amei com a força de mil homens.Sei ainda que tenho imensas coisas para dizer, mas parece que já não tenho magia suficiente para as explicar.Sinto-me meia. Odeio sentir-me meia. Meio acordada, meio adormecida.Parece que vivo no entretanto e deixo escapar a vida por meio dos dedos...areia fina numa praia vazia, com as ondas calmas e a água transparente.Fui eu que escolhi assim. Fui eu que quis ficar na corda bamba...naquele vai não vai...na impaciência, no "não sei"...
Não encontro uma música que me preencha hoje, não encontrei ontem.Apetece-me agora descalçar os ténis, pôr os pés no alcatrão quente e seguir pela estrada abaixo...seguir para o nada, e ter a certeza que vou parar a algum lugar. Talvez eu deva ficar lá. Talvez me apeteça voltar, mas agora eu não quero apenas estar aqui, onde todas decisões pesam como chumbo, em que os corações são como o cristal. Eles são feitos de cristal, com mil formas desenhadas e lapidadas nos lençois da memória. Tenho a certeza que deixei cair o meu...Rachou.Não partiu. Apenas ficou riscado, riscos fundos e sujos.
E se eu pudesse, eu já estava a caminho do nada. Mas estou presa aqui. Presa por tanta coisa que eu quero pôr para trás das costas...
Deixei de temer a escuridão no dia em que me encontrei nela. Deixei de temer tudo neste mundo, tudo nesta vida, no dia em que me propus a viver na corda bamba...
Nem a morte me arrepia agora...Nem os monstros me fazem encolher na noite. Já vi demasiadas monstruosidades.
Como somos egoístas...Como eu sou egoísta...
Não querer por completo um amor que não me pertence...e não deixar que esse amor pertença a quem ele deveria pertencer.
Como me ficam bem agora as gotas da chuva no olhar...o meu olhar baixo que fica perdido nas flores deste chão de terra...Não é vergonha...é tristeza. Não é medo...é distorção.É apenas o orvalho, pois do meu olhar não se verte mais nenhuma lágrima...Não se verte mais nenhum carinho. Fria que nem gelo, dura que nem pedra...Aprendi a ser assim. Ou pelo menos aprendi a mostrar aos outros que sou assim.
E um dia talvez até voltasse. Até sentisse saudades de ver os campos, de olhar o sol nascente com o ar ainda húmido, de me sentar na varanda do lado detrás, e ficar sempre espantada mais um pouco com o brilho das estrelas. De pensar, de me perguntar como conseguem elas.
Mas agora, eu gostava de esquecer tudo, e caminhar para o nada. Como se realmente conseguisse ser vazia por alguns meses, vivendo como uma caixa de papelão. Como se aprendesse tudo de novo, porque quando aprendes demasiado, quando sabes demasiadas coisas, começas a não saber nada e a confundir tudo. Quando tens demasiado, quando guardas demasiado em ti, ficas demasiado cheia, demasiado ocupada...e precisas de te renovar. Como nas limpezas do Verão. Voltar a pintar as paredes do coração, voltar a vasculhar os cantos esquecidos e cheios de mofo, voltar a abrir as janelas, e as portas para deixar o ar entrar.
Estou cansada de começos, mas não consigo não o fazer. Não o querer fazer.
Talvez que com eles cresçam também esperanças renovadas, e uma vontade mais segura, mas eu continuo sem saber enfrentá-las e levá-las até ao fim. Parece que em todos esses novos começos, as novidades são também, novas e isso assusta-me. Repele-me na direcção contrária.
Os sonhos são assim difíceis. Não se trata só de lutar por eles, mas de saber esperar por eles. De fazer o certo, na altura certa, para a pessoa certa, com a pessoa certa, no lugar certo, com os recursos certos, e os sentimentos certos. É muita coisa certa, não é?
É muita coisa certa para um interior tão misturado como o meu, onde não faço ideia do que possa ser o certo, em que sentido será certo.
No fim de tudo, continuo com aquela vontade de sair. De desnudar os pés, e de os submeter ao quente do alcatrão. E caminhar, sem pensar em nada, sem querer nada, sem tentar nada. Caminhar, no sentido literal da palavra. Caminhar para longe daqui, para perto de mim, ou para longe do que quero, ou para perto daquilo que posso não querer, mas que posso vir a querer, se souber que vou encontrar o que preciso.

E o que preciso agora? Caminhar, é apenas isso.



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