segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Demasiado Tu. (I)




Tenho esbanjado demasiadas folhas em ti, por isso vou-me garantir que é a última vez que o faço. Colecciono essas folhas como que para me lembrar de cada vez que começo uma nova com o mesmo título: Tu.Todas as palavras me parecem iguais, e em contexto isolado, todas as frases querem dizer o mesmo. Se conseguir até olhar para lá delas, e ver o que eu ponho nas entre linhas, a mesma expressão impregna-se lá como fumo de tabaco na roupa depois de uma noite no pub.
Então, talvez lhe deva dar o mesmo destino que dou á roupa: Máquina de lavar.
Tenho esgotado tanta tinta em recursos expressivos para não te dizer tudo claramente, que agora vejo que podia ter poupado se te tivesse dito logo o que ainda me faz estar aqui. Talvez fiques desiludido, porque pensaste que estava como algo que te queria segurar, ou que poderíamos brincar.
Brincar mais um pouco…Brincar á apanhada com os sentimentos salteados que me rodam em voltas redondas no crânio e fazem um efeito demasiado esbatido, como o começo de uma enxaqueca.
Vai ser a última vez. Eu já preparei a rede, já pus o boné verde seco, já calcei as botas. Está na hora de atravessar a porta do quintal e correr atrás das libélulas de verdade, das abelhas de claridade de pensamentos, até conseguir uma quantidade razoável para construir a minha caixinha de exemplares. Na verdade, quero tudo isso para depois olhar através do vidro dessa mesma caixa e ter uma ideia geral, um cenário semelhante (ainda que pouco) ao teu coração.
Deve ser o melhor que consigo fazer, já que por mais que bata, que empurre, que puxe e me mande contra essa porta que tens á tua frente, ela não se abre. Não se move sequer 5 centímetros. A única coisa que eu tenho a mais que ela é teimosia, já que ela não precisa de nenhuma. É apenas uma porta, um objecto vazio que puseste ali, e em que exageraste no tamanho e no peso (devo chamar-te inteligente, ou medroso?).
Tenho a certeza que te conheces melhor que eu (conheço-te?), afinal estás contigo á 19, quase 20 anos.
E pensando que és diferente de mim em tantas coisas, não há um único pedaço em mim em que não te encontre, ainda que nunca te tenha visto. Na maioria das vezes em que me ponho a pensar nas tuas razões para tal reforço de segurança nesse forte onde te ‘escondes’, a única que me parece óbvia é a que me diz que um dia alguma tempestade te desordenou tudo, aí dentro, nesse espaço que eu quero acreditar que existe, entre as tuas costelas e os pulmões (e se estiver vazio? E se realmente não existir?).
Poças, mas não podias facilitar um bocadinho? Mostrar nem que fosse um bocadinho de ódio?
Tinhas-me poupado tantas páginas que servem apenas de histórias, e que não contribuem para nada a não ser para me fazer enrolar o coração sempre que as leio, repetidamente.
Bem, eu tentei fazer-te perceber que eras sempre a personagem principal, mas tu pareceste nunca entender. Pergunto-me se é minha culpa, da tua professora de português, ou mesmo tua, porque nunca queres ver mais do que palavras “bonitas”. Tenho a certeza que se as visses da minha perspectiva não seriam assim tão bonitas. Tenho a certeza que se aceitasses que são para ti, ainda mais feias te iam parecer.
Hunhun, tu tens razão quando dizes que eu digo tudo com segundos significados. Eu adoro servir-me das alegorias, mas se fosses um pouco mais observador talvez notasses que elas só servem para que alguém as descodifique. Para que alguém as leve expressamente para alguma situação, e tudo se torne mais real. Que alguém descubra o crucial daquelas palavras corridas, daquelas personagens ilusórias.
Eu tenho a certeza que tu percebes, mas que te deu sempre mais jeito fingir que não o fazes.
E talvez seja essa a razão porque gosto tanto de ti. Porque viraste o meu mundo de pernas para o ar. Porque me viraste de pernas para o ar, e abanaste-me e fizeste-me sentir um turbilhão de dúvidas, de ansiedades, porque me fizeste sentir viva, ao mesmo tempo que me parecia estar a morrer.
Por me fazeres sentir tão pouco. Por me chamares “maricas” quando toda a gente me acha forte e corajosa. Por me fazeres algo natural, e encontrares falhas em mim, quando os outros acham que eu tento sempre o melhor. Em suma, por me fazeres má, e normal, como toda a gente. Por contrariares todos os meus moldes.
Desafias-me, e fazes-me dura. E ainda que isso me comece a cansar, devo dizer-te que me prende.
Já que estou numa de confissões, mais vale dizer tudo.
Nunca quis deixar entrar alguém como tu, nesta coisa pequena a que contínuas vezes chamo de “minha vida”, ou “minha história”. Posso ouvir a tua voz neste momento a perguntar “Alguém como eu?”, nesse tom incrédulo, e se fechar os olhos, posso ver a tua face virar-se devagar para mim, com esse quase verde do teu olhar a esbanjar umas quantas perguntas, e a tua boca num esgar. As tuas mãos repousam nos bolsos, até que te apetece espreguiçar, ou num acaso mais feliz, sacar do bolso uns quantos chupas de melancia (aqueles que têm o cheiro que ligo instantaneamente a ti). Eu sorrio disfarçadamente na tentativa de esconder que fiquei sem palavras certas para te explicar o que esse “alguém como tu” quer dizer.
Mas hoje, não há desculpas, já que o digo porque preciso mesmo de o dizer. Alguém como tu, que sabe mais que eu, que muitos ilustram de lobo, enquanto me põem na pele de cordeiro. Alguém como tu que é um extremo oposto do que eu sou. Alguém como tu, que na maioria das vezes parece não sentir nada, não ter quaisquer princípios, a que tantos apontam uns quantos crimes morais, éticos…sentimentais.
“Alguém como ele, que não deve ser para ti. Que não é para ti.”, dizem eles, todos convencidos de que um dia ainda me vão dar na cabeça “Eu bem te avisei!”.
Por vezes, chego a acreditar que um dia vou ouvir essas palavras caírem-me como chuva na cabeça. Mas na maioria das vezes, não consigo tirar o meu coração de perto de ti.
E acabo por ignorar, porque de alguma forma eu sei que tens aí dentro mais do que muita gente imagina.
Pergunto-me até por vezes se não será mais do que eu imagino, por isso te digo…Surpreende-me, porque a monotonia faz-me comichão no sorriso, e ele desfaz-se um pouquinho.
Na verdade, repeti imensas vezes a mim mesma, como quando precisamos de decorar a data da morte de um rei para o teste de história, uma definição para geografia, ou até mesmo um poema para português, o quanto eu não podia gostar de ti, e o quanto era necessário não o fazer…(devo dizer-te que nunca fui boa a decorar datas, definições, ou poemas). Fi-lo, sem me aperceber.
Há quem diga que deve ser assim, e só assim é que é.
Eu digo…nada. Limito-me a olhar para ti ao longe, e a suportar um sorriso carinhoso para que ninguém me
apanhe na cilada.
Já podia ter acabado com todos os vocábulos do dicionário, só a falar para ti. E eles continuam a parecer-me todos iguais…Por isso, esta é a última vez que o faço.
Eu tento buscar em mim todas as “informações” importantes que me ocorrem quando estou distraída, mas elas são traiçoeiras…e agora não vêm. Ficam algures entre as coisas semi-esquecidas. Sei que elas estão lá, só não sei o quê…ou como.
Até agora a minha força tem chegado, a minha capacidade de prender a respiração está a surpreender-me a mim mesma…Ainda que aos poucos vá vacilando, e tropeçando na vontade extrema de soltar o ar, e saborear quais as substâncias que me esperam nessa tua áurea que te rodeia, ou na falta que ela me faz.
Porque quando dou por ti já mudaste novamente de lugar, e eu tenho de te mover para outra categoria dentro de mim. E sabes, custa um pouco empurrar-te de sítio para sítio, uma vez que o sentimento começa a ser pesado demais, fixo demais, específico demais. Como as contas que fazes em matemáticas…Só podem dar aquele resultado…
Chega a certo ponto que eu fecho os olhos, encosto a cabeça num lado qualquer e finjo que estás aqui. E fico assim por horas…Fico assim até que seja possível, até que eu assimile tal coisa como possível.
Nunca quiseste falar de sentimentos, e eu ainda que o quisesse, calei-me.
Talvez tenhamos errado logo. Ou talvez sempre tenhamos estado certos, e as coisas sejam mesmo assim.
Pelo meu lado, não faço a mínima ideia de onde terei cometido algum erro. E se foi erro para mim, ou para ti. E se foi bom para mim, ainda que tenha sido mau.
Eu gosto tanto de ti, que agora nem sei como to dizer. Aliás, eu nunca soube a forma certa de dizermos a alguém “gosto de ti”. E eu digo-to tantas vezes…Não digo mais porque não posso, e porque a tua resposta não me incita a dizer novamente.
«Nunca tão poucas palavras tiveram tanto significado…»
Não previa que chegassem a ter esse significado todo…´
Não previa chegar a um limite de escritos para ti…Porque não previa sequer que me enchesses demasiado…
E agora?



(continua...)

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