quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Fala Comigo.Fala para Mim.


Fecho os olhos. As luzes intermitentes, confusas, enjoativas desaparecem.
Tapo os ouvidos. Acabam-se as gargalhadas, os chamamentos, os sons indiscretos, os indefiníveis, os meio ouvidos, os gritos.
Cerro os lábios. Vão-se as palavras meias, os verbos vãos, as intenções neutras desnudadas, os impulsos, as facas afiadas e transparentes, os aconchegos cheios.
Respiro fundo. E o ciclo se inicia novamente. Com a mesma pressa, e a mesma lentidão. Da mesma forma, do mesmo lugar. Chega a todo o lado e volta para trás.

“ Atira-te. Atira-te depressa. Não penses, nem percas tempo a respirar. Que o teu próximo esforço seja lançares-te para a frente como se lança um sonho ao ar. Com a mesma disposição triunfante até que voltes a tocar o chão. Com a mesma sensação de que vais alcançar o sol, de que vais deitar-te no seio da Lua. Atira-te vá! Porque esperas? Por quem esperas? O tempo acaba-se, e tu só consegues pensar e pensar…e envelhecer, e perder a graça, e ficar sem cor, sem brilho, sem vontade. Vá, está na hora. Atira-te. “


Atira-te. Diz ela. Ou ele. Atira-te. Mas para onde me atiro eu? Onde vou eu cair?
Não tenho lugar onde queira certamente ficar, há alguns que nem conheço, e dos quais depressa me vou cansar. Dos que tenho, todos me fartam, todos me enchem, e enchendo-me deixam-me mais vazia que uma caixa de cartão canelado.
Atira-te. Não posso. Não posso. Não posso. Não consigo sequer olhar para baixo desta varanda no 100º andar. Não consigo sequer olhar as vidas lá em baixo, sem ficar enjoada, sem a cabeça rodar, e as pernas falharem. Não quero. Dói muito. Não consigo sequer respirar de alívio por começar, mas a minha respiração prende-se ofegante ao factor acabar. A palavra mete-me doente só de juntar as suas sílabas e ver na minha mente a imagem distorcida que dela me impuseram.
O tempo acaba-se. Mas eu não pedi que ele passasse. Ele devia estar quieto agora. Devia estar ali, mesmo á beira do rio onde a cascata que me enrola e me faz engolir esta água onde os sentimentos perdidos puxam e esticam, e encolhem, e amassam como se fosses massa de pão, vai cair, e sossegar. Vai cair e ficar inanimada. Era suposto ele estar lá, ele ter esperado por mim, porque ele sabia que me estavam a puxar para trás, e me estavam a cansar as pernas e os braços e todos os minuciosos músculos do meu corpo com que eu tentava chegar a si. Ele sabia que eu queria chegar a si, não pode ter ido embora.
Na verdade, quando as minhas costas embaterem nas rochas polidas pelas águas onde os sentimentos harmoniosos te fazem vaguear entre o sono, e o adormecer, o tempo já não vai estar lá. Ele nunca esperou por mim, e eu sabia que devia ter sido eu a chegar mais cedo. Devia saber mais cedo que eu precisava dessa água de sentimentos plenos. Devia ter deduzido mais cedo que todos os outros, os outros que descem pela cascata, rodeados de uma brusquidão silenciosa, como os filmes antigos onde a imagem demonstra tudo, me iam fazer chegar atrasada.
Vá, está na hora. Atira-te.
Tu falas, falas sempre, meia volta e voltas a estar aqui. Não sei quem és. Não sei de onde vens. Mas dá-me a sensação leve de que te conheço tão bem quanto a mim mesma.
A tua voz, que eu nem sei se é voz, ressoa sempre algures…Acho que é só para mim. Parece que só eu a oiço…Mas eu tenho os ouvidos tapados. Explica-me. Sou humana e não entendo. Sou limitada e continuo a achar que não consigo. Não acho. Eu não consigo. Não tenho força suficiente para acreditar em ti.


“ Tu conheces-me tão bem, e tu sabes que sim. Sabes que eu estou sempre perto de ti, em cada acto que fazes, em cada vida que metes o pé, o braço, a mão ou até o corpo todo. Eu ponho-te sempre duas fileiras á frente, divididas, uma de cada lado. E tu percebes sem sequer ser necessário fechares os olhos, tapares os ouvidos ou cerrar os lábios. Respirar fundo, lá respiras. Deixo que o faças, parece deixar-te mais decidida em apenas um sopro.
Ainda assim, em todas essas vezes que vês um número estimado de coisas do teu lado direito e do teu lado esquerdo, tu sabes sempre impor-lhes uma cor, um cheiro e por final um sabor. Tu sentes logo quais os amargos e quais os doces. Já te enganaste. Já me culpaste. Mas ainda assim viste o quão mau sabor deveria algo ter, para que o doce te parecesse o mais doce de todos. Acho que aí deixas de me ouvir. Acho que aí, torna-se fácil para ti voltar a encher, gota por gota o lago que puseste por baixo da tua alma insegura e reservada. Por vezes acho que devias aumentar a capacidade dele.
Atira-te. Vai. Confia em mim, pois eu sei, que tu sabes que és mais capaz do que alguma vez imaginaste que serias. “


Continuas a ecoar. Dizes-me para avançar. Mas avanço para onde? Não há qualquer trilho de miolos formado no chão e as árvores são demasiado altas para que eu consiga ver onde está a montanha. Por vezes, é como se já estivesse a meio da escalada. Outras, nem ainda a comecei.
É como se o globo estivesse suspenso como espanta espíritos algures, e alguém o empurrasse com o dedo. Apenas pela piada de o ver girar, e girar, até este se entorpecer. E eu caio, eu ganho ânsias e as náuseas trespassam-me o peito e a mente. Deixo de pensar. Deixo de querer. Sento-me. Paro. E fico a olhar para o nada, que parecesse nesse momento bem mais interessante que o que me possas mostrar. Não caio só da montanha. Caio também do globo.
Depois…bem, depois parece tudo mais difícil. Tudo o que fazia sentido, deixa cada vez mais de o fazer. Tudo o que eu queria muda repentinamente, mas ainda assim, eu não consigo ficar de um só lado. Tu não me dizes nada. Ficas calado. Ou calada. Pões-te com palavras meio sábias, meio adivinhas. Credo! Eu não sou vidente. Pior que isso, eu não sou Einstein. Ainda assim, parece que adivinhas que eu consigo adivinhar tudo o que dizes, de uma forma não dita.
É por as tuas palavras alegóricas e metafóricas que vejo o meu limite expandir-se. Que eu vejo as minhas pernas ficarem do mesmo tamanho, mas no entanto crescerem. E, lá por entre os cumes dos pinheiros e de todas as outras grandes árvores que desconheço, que vejo, envolta em alguma neblina, a minha montanha. Não está bem clara. Não está denotada. Mas eu ponho-me de novo a caminho, como se o sol incidisse sobre ela com todo o seu fulgor.

“ Então tu és mais minha, do que eu sou tua. Porque sou eu quem te rege, quem te move os pés e nem tenho de lhes tocar. Então, eu percebo-te melhor do que me percebes. Tu nem me percebes, não me adivinhas. Mas eu a ti, como dizes, consigo dizer-te tudo, sem sequer te dizer nada. Continuo aqui, talvez, ou tendo mesmo a certeza porque eu preciso de ter alguém que interrogar…e porque tu precisas de te sentir interrogada. Rodeada de questões. Eu preciso de parar alguém. E tu precisas que te parem. Eu preciso de te encher, e de te esvaziar. E tu precisas de sempre que te sentes cheia, te sentires vazia, para que voltes a conseguir ver o quão bom é estar cheia. “

(Continua…)

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