sábado, 17 de outubro de 2009

Meu anjo.


Não sei realmente se te conheço. Não sei se te posso conhecer ao ponto de me conhecer a mim mesma em tino fundo eu não me conheço. Não me conheço, e só junto de ti tenho a breve ilusão de que sou alguma coisa a mais que aquilo que sou. Que os outros acham que sou. Que o que eles dizem, o que eles elogiam ou criticam…o que eles ofendem, atacam ou defendem.
Posso até nem ser nada, mas no meio desse nada, existe algum tudo…Algum tudo que revolteia no ar, e suspende todos os suspiros e toda a aragem fresca da madrugada quando ficas em mim, mais do que devias ficar. Quando te agarras a mim com a força de mil homens, e mil criaturas do reino da magia. Quando os teus olhos não sabem fixar-se noutro lugar senão no meu coração que fica tão desnudado no calor do teu sorriso. Quando a tua mão não só me segura, mas me puxa persistentemente para que me levante, para que não me canse já, para que não esteja ainda cansada. Porque ainda tenho muito que andar…Ainda tenho que me encontrar comigo mesma daqui a 25 esquinas de dor, e mais umas poucas de escuridão…passando por certas avenidas claras, com sol ofuscante, onde a felicidade me dá encontrões, e me passa rasteiras para eu ficar um pouco ali. Para não ir logo embora.
Falei-te tanto dessas ruas…Talvez porque queria que as andasses comigo, e ainda que não me encontrasse em mim, ou em ti, havia sempre aquele pedacinho de ‘algum tudo’ que me confortava e até me fazia pensar que era capaz de novo…
Não sei se realmente te conheço…Mas não consigo temer-te. Não consigo virar o meu sorriso, e oferecer-te umas costas curvadas que gritam desilusão, não consigo correr de ti. Na verdade, eu esforço-me tanto á toa para não correr para ti. Cerro tanto os dentes, imobilizo tanto os meus músculos, que eles sobressaem por a pele, esticada, impregnada de esgares. Porque eu quero, mas não quero correr para ti. Porque eu quero…mas não tendo medo de ti, causa-me medo tudo isso que me faz correr em direcção ao teu peito…Essa vontade súbita e extrema de voltar a encostar a cabeça nele e deixar que as lágrimas que sufoquei antes, fluam agora livres como as chuvas de Dezembro. Esse desejo brusco de estares aqui, mais do que já estiveste, mais do que alguma vez possas estar. Essa…essa ânsia sem sentido, mas que dentro de mim faz o maior sentido que alguma outra frase, vocábulo, sentimento ou pensamento fizera.
Queria até chamar-te de anjo. Mas eu não sei se te conheço. Não sei se ao chamar-te anjo não falo apenas daquela susceptibilidade que tenho á tua presença…Talvez seja eu a única que te sinto, quando mesmo não estás…Que te respiro. Que te bebo. Que te ‘snifo’. Que me drogo de ti, me embebedo de ti, e faço do meu delírio, um facto, e falo dele com o brilho de todas as estrelas no meu olhar, com a expressão de uma louca estampado no rosto, aberto, feliz…Num acreditar tão inocente que pareço uma criança.
No fundo não me conheço. Não sei que parte de mim te acha possível, ou fácil. Que parte de mim te aceita e te tolera…E que parte de mim te adora e te ama. Se existe sequer uma parte de mim que o faz…No fundo não me conheço…Por isso posso dar-te uma desculpa. Por isso posso dizer-te que sou adulta, que sou criança…ou para falar a verdade, que não sou nada.
Que ainda não sou capaz de ser alguma coisa, porque me faltam motivos para ser, porque me faltam horas de sono onde eu seja capaz de descansar, onde eu possa deixar que a minha cabeça se ordene…Que as minhas ideias não sejam sempre e repetidamente subornadas pelo coração, e que por mais que tentem sair vitoriosas desse conflito de razões, acabem por se cansar e se submeterem. Elas na verdade querem cansar-se. Querem ficar por baixo do coração, querem ter uma boa desculpa para ele sair sempre triunfante. Porque assim, têm um motivo, ainda que nele não acredites, ainda que nem eu própria acredite e o personifique e o carregue dessas coisas que o parecem fazer mais credível. Para pudermos acreditar, e sorrir ao adormecer.
Meu anjo…Posso chamar-te meu anjo? Posso chamar-te anjo?...Ou chamo-te só meu?...Meu, meu qualquer coisa. Meu move sóis e luas. Meu quase tudo nada. Meu…anjo.
Não sei se posso conhecer tudo o que te rodeia e não me perder por lá. Não ficar meio indecisa, meio ‘vou não vou’…Porque eu realmente não conheço até que ponto me conheço. Não conheço até que circunstância eu vou continuar a chamar-te ‘Meu anjo’. Se depois de cresceres e perderes essa parte jovem que acordava, que eu abanava e sacudia em ti, que te fazia tão muito mas pouco parecido a mim, posso continuar a chamar-te anjo. Nem sei se agora o posso fazer. Se quando souberes que o faço, quando souberes que és tu essa qualquer maré de escolhas e gostos e ideais todos condensados em palavras simples e sorrisos descomplicados que me parece ter estado sempre á espera, que parece que está sempre atrás de mim, abraçado ao projecto de corpo de mulher que ostento…protegendo-me de mim própria, não vais deixar de estar desnitidamente em toda essa confusão que eu faço. Em toda essa confusão clarificante que me sussurra aos ouvidos, e me diz sempre que preciso de ti mais do que precisei, mais do que ainda vou precisar.
Precisar de me segurar em ti, ou precisar que te segures em mim…Precisar que precises de mim da mesma forma que eu preciso de precisar de ti. Para que não haja decrespância entre o meu olhar e o teu, entre o meu sorriso de ‘finalmente’ e o teu sorriso de ‘cheguei’. Para que eu me possa conhecer em ti, e para que tu te possas conhecer em mim…e para que sabermos o que somos. O que tu és, o que eu sou, ou o que sempre fomos, para além do ‘nada’ e do ‘algum tudo’…

Meu anjo. Não sei se realmente te conheço. Mas estás e eu esqueço-me que de repente posso cair das tuas asas de penugem calmante, mas confio demasiado em ti. Confio demasiado em ti para acreditar nos teus silêncios mal conseguidos, e na força com que seguras a tua mão de tocar a minha face.
E no fundo eu não me conheço. Mas perto de ti, é como se eu não precisasse sequer de me perguntar quem sou além de ser eu. Alimenta-me; completamente ser apenas a tua…qualquer coisa.

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