segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Cartas para mim, Cartas para ti (2)


Desse lado a vida parece-me mais calma. Desse lado, parece-me mais tua, mais minha, mais nossa. Mas este ‘nossa’ parte-se cada vez mais ao meio, e deixa de existir um nós em tudo o que nos pertence. Se é que alguma vez existiu.
Posso assemelhar-te a um pilar. Sustentas-me. Talvez seja essa a razão pela qual não te posso partir, porque não consigo dirigir-te golpes certeiros de machado, como se faz com as árvores. Porque és tu que me manténs em cima, és o meu chão e a força que eu me convenço que tenho para não ter de me culpar de ser cobarde.
Sem ti, posso cair. Sem ti, vou cair. Vou sentir a queda de lá de cima, donde consigo olhar toda a cidade, onde consigo ver o cume das poucas árvores mais altas, e onde avisto até o terraço dos arranha-céus. Mais que a queda vou sentir os meus cacos, e depois os teus, e ainda vou ser capaz de saborear com ardor o rasgar do canto do meu coração, aquele onde tu estás, onde está escrito o teu nome seguido de um sinal de mais e á palavra eu.
Desse lado estás tu, mais que um pilar, estás tu completo, vivo e capaz de abraçar alguém.
Estás tu, mais que o mar, ou as paisagens perfeitas, e o sol que brilha ainda que chova…E numa estalada de felicidade o meu peito quer abrir espaço por entre as cordas vocais adormecidas, abana-as, esbofeteia-as e salta-lhes em cima, na tentativa que deixem passar os gritos de euforia sem nexo, do amor de segundos que me pica, e logo de seguida morre, como vespa ameaçada.
É por essa mesma razão que eu não consigo ficar sossegada deste lado. Não me alcanço na obrigação de parar de andar de um lado para o outro, de caminhar de sítio para sitio…prova nula de me sentir completa em algum desses espaços. Falta sempre alguma coisa, falta sempre a parte da verdade sólida, do amor realmente sentido, e não apenas de palavras que me fazem continuar na espera…ou talvez que essas palavras sejam aquilo que te faz como meu pilar, e é por seres o único que agora me segura que eu não quero carregar no botão de Play, e ver a vida seguir.
Falas-me de futuro. Falas-me das grandes coisas que vamos fazer juntos, de tudo o que nos pode fazer sorrir, e completar aquilo que começámos sem nos apercebermos…Mas o futuro é tão longo como a extensão de céu que nos cobre as cabeças. O futuro pode ser o dia de amanhã, ou daqui a 20 anos. E daqui a 20 anos eu posso não estar aqui, aí…posso já nem estar em lugar nenhum, ou estar em todos os lugares. Podes não estar tu. Podemos até ter batido com a cabeça e matado os bichinhos da memória. Ou os glóbulos podem já ter convocado uma reunião de emergência com os bichinhos da memória e ter-lhes dito que eles tinham de se reformar porque estavam a provocar demasiados danos na central, no coração, e assim recusam-se a trabalhar.
Enquanto ainda podemos sonhar não nos apercebemos que estamos perto do fim das histórias que começam em ‘Era uma vez’ e acabam em ‘Viveram felizes para sempre.’
Estamos perto de querer ser maiores, de querer marcar uma posição e não ver os outros olharem-nos como alguém estranho.
Um adulto. Pequenos adultos.
Também é assim quando somos crianças…A partir dos 6 anos, dizemos que não acreditamos no Pai Natal para na escola não sermos alvo de risos. Depois deixamos os amigos imaginários e começamos a fechar-nos dentro de nós sempre que estamos sozinhos, e acabamos até por começar a dormir descansados pela noite fora, porque desacreditámos o Papão.
Para nós já nada dessas coisas existem.
E agora começa a desvanecer-se, fumo de fogueira extinta, a nossa imaginação…As asas ficam mais pesadas, e os pés têm mais cola. Faz doer mais a alma e as costas, dá demasiado trabalho e temos ainda que pensar naquele amigo que ficou chateado, e naquela rapariga ou rapaz que está mesmo perto de ti, que te é possível tocar, ainda que não mova sequer uma célula de euforia no teu interior. Temos de ficar onde o chão é plano e seguro, ainda que essa segurança não te faça adormecer com um sorriso todos os dias restantes da tua vida.
A imaginação vai acabar, e com ela os sonhos. Os sonhos das noites em que adormeço planejando deambular entre o cruzamento do consciente e do subconsciente, sonhando que a tua mão está entrelaçada na minha, que o nosso olhar se prendeu no mesmo ponto, e ainda que seja a coisa mais sem graça que já tenhamos visto, parece-nos deveras a mais perfeita, a mais brilhante, a mais polida, porque tu estás em mim, e eu estou em ti. E estamos. Cada célula grita pelo nome um do outro, cada milímetro de pele arrepia-se ao tocar na tua, na minha, os perfumes parecem mais estonteantes e mais apetecíveis…e nós estamos.
E é aquilo que sonhamos que queremos…Ou seja, um dia eu vou deixar de te querer, porque partimos os nossos sonhos como pratos de porcelana velha e gasta do tempo. Porque também eles serão essa porcelana, essa porcelana que de tantas vezes ser utilizada está fina, está frágil, e pronta a quebrar, por uma palavra apenas, por um grito apenas…Por um pesar de mais de mil faltas anteriores que agora parecem maiores que no momento porque se emaranharam em esperanças duplicadas, esperanças que eu renovava tão facilmente, mas que agora parecem ser demasiado secas para passarem na minha garganta.
Está tudo no início, mas no final. Está no início do final. E é isso que eu tento esconder de mim, que eu tento esquecer em mim, empurrando todos os factos como pó para debaixo do tapete que é a verdade, e que todos querem levantar e tirar do chão da sala, para me impedirem de escorregar.
Mas não adianta, porque eu sei que preciso de cair. Não adianta porque por mais que eles tirem esse tapete, tu continuas como pilar, como força que me ergue para lá de coisas reais, mundanas, substanciais.
Fazes-me acreditar naquilo em que acredito porque sei que se acreditar vou achar que é mais simples continuar a caminhar em frente em vez de me estacar na valeta, á espera de boleia, de uma boleia que não me faça andar.
Eu não quero ver. Tu não queres ver. Ou tu vês, e não me dizes nada, ou até não te importa se estás a ir embora, ou de chegada. Talvez seja igual para ti, se eu disser dói, ou se eu disser que estou bem e não se passa nada…
Mas como ainda tenho força, uma réstia de força e de sonho, continuo a impedir-me de desistir já, ainda continuo a avaliar o quanto és importante. Se os bichinhos da central e do centro nervoso, me dizem a verdade, ou se estão, também eles, a tentar facilitar o seu trabalho! (É que é difícil trabalhar se estamos desanimados ou tristes, sabes.)
E é enquanto nós não crescemos demais, enquanto as nossas asas ainda estão leves e os nossos pés podem sair do chão, enquanto o nosso coração ainda pode mandar por si mesmo, e nós o deixamos vencer tenha ele ou não razão, que tu vais continuar a ser a minha força, o meu pilar, e tudo isso que de resto me alegra e me entristece.




TuaEstrelaGuia*
5 de Outubro de 009

2 comentários:

  1. Escreves sempre coisas tão bonitas minha linda :)!
    És linda!
    Beijinhos

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  2. Texto perfeito linda!

    E realmente, as vezes o que nos dá alegria também é o motivo de todas as nossas tristezas.

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